Mas o que significa considerar diferentes linguagens na infância?

por Daniela Munerato

Ninguém educa ninguém
ninguém educa a si mesmo,
os homens se educam entre si
mediatizados pelo mundo.
(FREIRE,1971)

Iniciamos o texto com o convite a pensarmos nos bebês, que, desde o nascimento, expressam-se por meio de diferentes formas, mesmo que relacionadas às necessidades. Principalmente nos primeiros meses, temos o choro diante da fome; o movimento do corpo quando estão com frio, calor ou algum incômodo físico; as expressões faciais que nos mostram se estão com sono, atentos, tentando fazer sons ou sorrindo.

Ao longo dos meses, o bebê se desenvolve e se torna uma criança que interage cada vez mais no contexto cultural, social e político, e este é um fator que definirá a concepção de criança e a forma como os adultos se relacionam com ela. É interessante lembrarmos também que, do ponto de vista do desenvolvimento biológico, parte do seu cérebro e emoções são construídos no ambiente frequentado. Por essa razão, enquanto educadores, a consideração sobre o cultural e o social nos importa, sendo necessário planejar ambientes para as crianças com experiências de qualidade (assunto que será abordado no curso da Programação de Inverno do Centro de Formação).

Voltando à linguagem, diferentemente da expressão, ela nasce da necessidade de comunicação – com o outro e com o mundo – e é considerada uma dotação biológica do ser humano, que precisa se comunicar e está aberto para as relações, afirmação que dialoga com a citação de FREIRE (1971), no início deste texto.

Os adultos, observando as crianças, tendem a iniciar um processo de classificação natural. Sem perceber, fazem um julgamento/caminho para as crianças quando dizem: “ela adora arte”, “nossa, vai procurar uma profissão das exatas, tem facilidades”, “o canto não é para ela, desafina demais”. Tal conduta – principalmente no âmbito familiar, mas também no escolar – mostra uma diminuição das possibilidades com as quais somos dotados desde o nascimento. As crianças são rotuladas pelo gênero, cor da pele e possibilidade econômica. E assim, desde muito cedo, já é imposto que têm “vocação” para um certo tipo de conhecimento. O problema é que a criança cresce se espelhando nos olhos de quem está à sua volta e vai acreditando no que dizem. Isto posto, encontramos na cultura familiar, social e educacional, uma diminuição das possibilidades existentes. E deveria ser o contrário!

É verdade que, desde o nascimento, cada criança carrega abordagens diferentes e privilegiadas, mas elas não devem ser vistas com pressa e já definirem a criança. Existe muito tempo pela frente, já que estamos falando de infância. Nesse período, elas devem ser observadas e desafiadas pela curiosidade, com a liberdade para explorar possibilidades diversas, sem correr o risco de tratarmos características pessoais como “especializações”.

Eis a diferença entre linguagens e disciplinas! Enquanto a disciplina tende a olhar para a criança com lógicas separadas e classificadas culturalmente, conforme Malaguzzi (2015) existem cem linguagens possíveis: a escrita, o canto, a dança, o desenho, entre

tantas outras. Cada linguagem comunica de forma interessante e cada vez melhor quando existe estudo, experiência e criatividade, num conjunto que move a criança e a transforma – aqui pensamos no planejamento. Aí está a função do professor de não trabalhar com as linguagens de forma superficial e sim reflexiva e investigadora. Existe uma conexão entre as linguagens que auxiliam na compreensão de mundo, porém, a escola muitas vezes faz um movimento de normalização, dividindo saberes em categorias. Mas é sempre tempo de pensar que existe outra possibilidade, como desenvolver muitos modos de perceber, entender e refletir sobre o mundo.

A criança pensa de forma integrada, é um ser em formação, está ávida por saberes e experiências, repleta de linguagens, não de disciplinas. Nosso desafio como educadores é, no sentido da aprendizagem, pensar num projeto pedagógico que tenha como estrutura o pensamento de três pontos importantes: o contexto educativo, a relações (com pares e famílias), e a equipe da escola envolvida neste processo das crianças.

E assim, com uma intenção educativa, vamos contemplar as linguagens com o foco nas diferentes estratégias que podem ser utilizadas nesse processo. Lembrando que as teorias provisórias são construídas e contamos com a interiorização para chegar ao conhecimento, bem como com a experiência compartilhada, a interação, o confronto de ideias e saberes, a troca entre pares e, por fim, a releitura das próprias experiências.

Espero vocês na Programação de Inverno para seguirmos pensando juntos sobre estes pontos!

A estratégia é a arte de utilizar as informações produzidas pela ação, de integrá-las, de
rapidamente formular determinados esquemas de ação e ser capaz de coletar o máximo de certeza
para enfrentar o que é incerto. ( MORIN, 2007)

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