Nas palavras de Kaleb Rashad, diretor de uma High Tech High em San Diego, Califórnia: “E se a escola fosse um local onde os/as alunos/as pudessem descobrir seus talentos, seus desejos e paixões, além das necessidades reais do mundo? E se fosse um local onde se aprende como realizar contribuições significativas aos demais seres vivos e ao planeta em si? O mundo incerto e complexo que vivemos precisa urgentemente da genialidade humana, de mais empreendedores, produtores, inovadores e realizadores de mudanças, pessoas que desejem melhorar a vida de outras pessoas.[…]”.
Essas palavras muito provavelmente ecoam na mente de diversos/as educadores/as ao redor de todo o mundo e nos lançam em uma busca constante por possíveis “soluções mágicas” ou tutoriais prontos sobre como efetivamente dar conta desses anseios em nossas salas de aula.
A principal metodologia utilizada nas High Tech High norte-americanas é a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP), que já há algum tempo demonstra importantes resultados de ganho de engajamento discente ao colocar estudantes no centro de seus próprios processos de aprendizagem. No embalo do ensino e aprendizagem baseado em projetos, a educação STEM/STEAM e Maker ganham espaço igualmente como recursos de alto impacto na aprendizagem.
Tenho uma hipótese de que se você perguntar para adultos/as a respeito do que eles/as se lembram de sua vida escolar, uma grande parte responderá que são as aulas práticas, estudos do meio e alguns trabalhos em grupo. Por que será que são justamente essas atividades “mão na massa”, “especiais” e “pontuais”, quase “extracurriculares”, as que mais nos marcam durante nossos muitos anos de escolaridade?
Uma explicação possível para isso é o fato de que, nesses momentos, nós e demais estudantes somos orientados/as de forma intencional a participar ativamente do nosso próprio percurso pedagógico. Podemos fazer escolhas, criar, elaborar projetos, argumentar, ouvir opiniões e ideias distintas, tentar, errar… diferentemente de um processo educacional mais conservador, em que a maior parte do tempo – senão todo ele -, estudantes ficam passivamente copiando lousas e realizando exercícios de maneira quase automática e sem entender muito o significado e relevância por trás desse método. Como diz Pedro Demo (2007) (Extraído de: DEMO, P. Educar pela Pesquisa. 8 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.), “uma aula copiada não constrói nada de distintivo, e por isso não educa mais do que a fofoca, a conversa fiada dos vizinhos e o bate-papo numa festa animada.” A criatividade e o protagonismo estudantil hoje são tão importantes na educação como a alfabetização, e ainda que estejam longe de ser, deveriam ser tratados com a mesma importância.
Movimento Maker
A ideia de aprender com a mão na massa não é nova. Há muito tempo, consagrados educadores já chamavam atenção para essa forma de ensinar e aprender, com o/a aluno/a sendo protagonista na produção de seu próprio conhecimento, construindo saberes a partir de experimentações práticas e colaborativas com seus pares e professores/as mediadores/as.
Expoentes do calibre de Jean Piaget, Lev Vygotsky, Seymour Papert, Paulo Freire e John Dewey já pesquisavam e defendiam essas ideias há décadas. O educador brasileiro Paulo Freire criticava a abordagem descontextualizada do currículo. Ao introduzir a ideia de construção significativa do conhecimento, ele dava pistas de que o/a aluno/a teria que ser protagonista desse processo e também deveria aprender com a mão na massa.
O filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey reforçava os princípios que hoje guiam a educação baseada em projetos. Ainda nos séculos XIX e XX, ele apontava que a educação não deveria se restringir à transmissão de saberes, mas valorizar as experiências dos/as alunos/as e a conexão dos conhecimentos com situações cotidianas. Ele acreditava na desagregação dos assuntos e em permitir que as crianças simplesmente perguntassem e buscassem respostas com sua curiosidade natural desenfreada.
Como se sabe, quanto mais velhos/as ficam e mais acostumados/as com o sistema educacional tradicional, estudantes acreditam em grande parte que fazer perguntas indica falta de compreensão, não curiosidade. Dessa forma, se fecham cada vez mais por vergonha ou “medo de errar.” Esse sequestro de conhecimento em categorias que não se conectam é prejudicial para os nossos/as alunos/as, porque, no mundo real, tudo se mistura.
Na mesma linha, o matemático e educador sul-africano Seymour Papert defendia a criação de ambientes que permitam aos estudantes seguirem seus interesses de exploração. Considerado um dos precursores da cultura maker, ele foi pioneiro no uso das tecnologias digitais na educação. Apesar de processos de aprendizado por meio de atividades “mão na massa” estarem presentes em contextos educacionais há um bom tempo, o recente Movimento Maker tem trazido crescente atenção para esta forma de aprendizado que se dá em momentos de construção e exploração de materiais.
STEM/STEAM
O STEAM Education apareceu, com essa denominação, há poucos anos no Brasil. Além de recente, ocorre de uma maneira peculiar. Muitas vezes é apresentado como uma metodologia de ensino embasada em um currículo inovador, ou seja, como uma forma de se ensinar algo nas escolas sem usar o temido modelo tradicional. Entretanto, STEAM não é exatamente uma metodologia, mas sim uma abordagem, oriunda de um movimento, resultado de uma transformação maior pela qual muitos sistemas educacionais vêm passando globalmente.
Mas afinal, o que é STEAM? É um dos cinco domínios da ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática, ou é mais do que a soma de suas partes? As definições na literatura abrangem todo o espectro, desde uma abordagem mista e contínua, interdisciplinar e multidisciplinar, até uma visão totalmente integrada da educação STEAM.
O grande objetivo da Educação STEAM é, por meio de projetos, atividades desafiadoras de resolução de problemas reais, criar para os/as alunos/as oportunidades de aprendizagens para toda a vida, conceito corroborado e defendido por Mitchel Resnick, doutor do grupo Lifelong Kindergarten do MIT Media Lab1, quando diz: “É necessário oferecer oportunidades para os jovens criarem projetos, experimentarem e explorarem novas ideias. Sempre fui fascinado pelo modo como as crianças pequenas aprendem e se relacionam. Nessa fase, elas passam muito tempo trabalhando em colaboração umas com as outras: constroem com blocos, pintam e desenham, aprendendo a transformar uma ideia em um projeto. Essa é uma das coisas mais importantes que alguém pode aprender.”
O curso STEM, STEAM, Maker… O que esses novos conceitos têm de antigos?, que acontecerá nos dias 24 e 25 de julho, oportunizará a reflexão e discussão sobre essas abordagens que têm permeado o dia a dia de algumas escolas, mas ainda podem causar certa confusão em relação ao que são, como se relacionam e principalmente, como aplicá-las de forma que realmente façam sentido para todos/as os/as envolvidos/as. Neste curso, daremos ênfase à prática dessas aplicações, sem abrir mão de alguns referenciais teóricos importantes para desmistificar tais conceitos. Até lá!
1 Para saber mais: Resnick, M. 2007. All I Really Need to Know (About Creative Thinking) I Learned
(By Studying How Children Learn) in Kindergarten. In ACM Creativity & Cognition Conference.
Programação de Inverno 2024 no Centro de Formação da Vila
Veja abaixo o link de alguns cursos da nossa Programação e acompanhe as postagens no
Blog do Centro de Formação da Vila.
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