Como nossos alunos e alunas estão lendo? O que fazer diante disso?

Por Luiza Moraes e Stella Garib

Depois de um longo percurso de leituras literárias traçado por estudantes de 7° ano, a professora, em uma prova, propõe a seguinte questão:

Retome o seu percurso de leitura deste ano e escolha um personagem que tenha sido marcante para você. Depois, explique por que esse personagem foi marcante.

As respostas são, como se pode esperar, muito diversas:

EXEMPLO 1: Um personagem muito marcante para mim foi Aquiles, da Ilíada. Ele foi marcante, pois tem dilemas muito legais e importantes que geram muitas de suas características e ações. Isso nos faz viver a aventura junto de Aquiles, algo que me marcou. 

EXEMPLO 2: Um personagem marcante foi Arsene Lupin, pois toda hora na leitura, quando você está achando que começa a entender o seu plano, algo completamente inesperado e interessante acontece, o que me deixou muito curioso. 

EXEMPLO 3: Um personagem que foi marcante para mim foi Nemecsek de Os meninos da rua Paulo, pois mesmo com os diversos desafios que eram trazidos a ele, ele os encarava com força, o que no final, isso o fez se tornar um exemplo para mim, o que é algo muito bom. 

EXEMPLO 4: Aquiles foi marcante por ter coragem em enfrentar a ira dos deuses, mas desonrado por desonrar o corpo de Heitor. 

Ao ler essa questão, podemos nos perguntar: afinal o que a professora espera avaliar, que tipo de informação ela espera receber? Ao ler os exemplos de respostas, por sua vez, nos questionamos o que elas revelam a respeito da aprendizagem dos alunos e de seus percursos. O que eles mostram que sabem? O que mostram de si, enquanto leitores? Obviamente, para responder a essas perguntas, precisaríamos ter mais informações sobre o contexto do estudo, mas podemos ensaiar algumas hipóteses.

Considerando que os quatro estudantes fazem parte da mesma classe, de imediato a professora percebe a variedade de perfis de leitores presentes nela – cada aluno se envolve mais com uma leitura diferente e justifica com tipos de argumentos diferentes a sua preferência. Além disso, há diversidade na capacidade de argumentar a respeito da literatura e falar de si enquanto leitor. O primeiro estudante, por exemplo, parece ter domínio da caracterização do personagem e reconhece que seu envolvimento se relaciona com a humanidade de Aquiles. O último, por sua vez, lista duas características do mesmo herói, mas não consegue argumentar a respeito de seu envolvimento ou não com as leituras.

Em outro canto da escola, a professora do 6° ano está encaminhando a leitura compartilhada de O conto da ilha desconhecida, de José Saramago. Por tratar-se de uma obra com desafios importantes do ponto de vista da construção textual, ela decide avaliar algumas habilidades leitoras importantes, como localização de informação explícita no texto e a habilidade de fazer inferências a partir de indícios sugeridos. Para isso, ela propõe a releitura de um trecho da obra e a partir dele pergunta:

Na página 55, o narrador afirma que “foi um pensar fingido, porque ele bem sabe, embora também não saiba como o sabe, que ela à última hora não quis vir”. Do seu ponto de vista, por que o homem do barco sonhou que a mulher da limpeza não iria viajar com ele?

Seguem dois exemplos de respostas:

EXEMPLO 1: Pois a mulher da limpeza pensou “vê-se bem que só tem olhos para a ilha desconhecida”, mas foi um pensar fingido, pois ele bem sabe, como o narrador diz, ele bem sabe que a mulher da limpeza acha que ele só tem olhos para a ilha desconhecida, achando que não vai fazer falta. 

EXEMPLO 2: O homem do barco sonhou que a mulher da limpeza não iria viajar com ele, pois ele tinha esse receio de a mulher da limpeza não viajar com ele, e esse receio foi representado em um sonho, mostrando seu amor à mulher da limpeza na forma de um sonho. Na vida real, realmente, a mulher da limpeza pensa que ele só tem olhos para a ilha desconhecida, mas o sonho amplia esse pensamento dela de uma forma visível ao homem do barco. 

No exemplo 1, observamos que a aluna retira um trecho do texto, buscando responder ao que foi requisitado, mas não realiza inferências a respeito dos sentimentos que o homem possuía pela mulher da limpeza, nem sobre quais ações anteriores deste personagem teriam-no feito temer perder a companheira, de forma que isso se evidenciasse através do sonho. A autora do segundo exemplo, por sua vez, acessa os sentimentos implícitos do homem do barco e infere a respeito do que ele pensaria sobre os possíveis sentimentos de sua companheira de viagem. Ou seja, enquanto a autora da primeira resposta para na localização da informação e não persegue uma explicação sobre a motivação da personagem, a autora da segunda organiza um parágrafo analisando a transformação de um temor do personagem em sonho e relacionando esse temor a uma paixão, que fica apenas sugerida pelo texto, mas não explicitada.

Muitas questões se colocam aqui: o que fazer com as informações coletadas nessa avaliação? O que elas revelam ao professor? E aos próprios alunos? A partir dessas respostas, é possível afirmar que o primeiro estudante não tem a habilidade de realizar inferências desenvolvida e o segundo estudante tem?

Ampliando um pouco o olhar: nas escolas, ciclos, segmentos, sabemos como nossos alunos estão lendo? Quais habilidades precisam ser desenvolvidas em cada etapa? Isso está mapeado em nossos currículos?

Enfim, quando pensamos em avaliação da leitura na escola, nos deparamos com desafios importantes relacionados diretamente aos processos que a constituem: o ensino da leitura e a avaliação em si. É preciso assumir, primeiramente, que ler consiste num ato complexo e que envolve muitas habilidades e estratégias. Essa competência permeia toda a escolaridade, em diferentes enfoques e situações de aprendizagem. Ao mesmo tempo, é preciso considerar a complexidade da avaliação, que pode assumir propósitos diversos no contexto escolar, enfrentando tensões inerentes a esse ambiente. Ao avaliar, especificamente, a leitura, esses desafios se desdobram e se multiplicam. Como os estudantes estão lendo? Quanto vêm avançando? Quais são as dificuldades enfrentadas? O que fazemos diante de uma grande diversidade observada em sala de aula?

Vamos enfrentar juntos essas questões e diversas outras no curso Avaliação de leitura na escola: instrumentos, coleta de dados e planejamento do ensino. 

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