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A reforma curricular do Ensino Médio e a produção de itinerários de Ciências da Natureza: oportunidade ou armadilha?

Nos últimos 20 anos, vários países realizaram reformas curriculares na educação básica. Da mesma forma, o Brasil está implementando uma reforma curricular nacional que vem demandando um esforço de concretização dos currículos das escolas. O Novo Ensino Médio, lei n. 13.415/2017, determina que nesse segmento, a partir de 2022, haja a oferta de Formação Geral Básica e de Itinerários Formativos. A Formação Geral Básica deverá ter carga horária de até 1800 horas e contemplar todas as aprendizagens básicas, apresentadas na forma de competências e habilidades, estabelecidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) por meio de quatro áreas de conhecimento. Já os Itinerários Formativos deverão apresentar no mínimo 1200 horas e oferecer estruturas curriculares cujos objetivos são o aprofundamento acadêmico em uma ou mais áreas do conhecimento e/ou a formação técnica e profissional, sendo que os estudantes terão opção de escolha de acordo com o seu interesse (BRASIL, 2018a). Cada itinerário formativo é composto por um conjunto de unidades curriculares (UCs), cuja formulação é flexível, tendo como principalmente documento organizacional o “Referenciais Curriculares para a Elaboração de Itinerários Formativos” definido por meio da Portaria nº 1.432, de 28 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018c).

Formação Geral Básica e de Itinerários Formativos

A BNCC define os direitos e objetivos da educação básica e defende que as suas principais metas são: (a) superar a fragmentação de políticas educacionais e (b) contribuir para a transformação de uma sociedade que esteja alinhada aos princípios dos direitos humanos e, também, da preservação ambiental. O documento enfatiza o trabalho com as competências e habilidades e apresenta o que se “deve saber”, focalizando, entretanto, o “saber fazer” por meio de indicações de estratégias de mobilização do conhecimento associadas às demandas cotidianas, emprego da cidadania e mundo do trabalho (BRASIL, 2018b). Tais características seguem tendência internacional, evidenciada em publicações de organismos internacionais como a OCDE ou no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU (PNUD, 2014), em que  se destaca, além do foco no desenvolvimento de competências cognitivas, o desenvolvimento de competências sócio-emocionais.

A construção dos Itinerários Formativos deve aprofundar conceitos estruturantes das diferentes áreas de conhecimento. Assim, possibilitando a aplicação em diversos contextos sociais e de trabalho, considerando as relações entre o local e global, além de contemplar o interesse dos estudantes. De acordo com a BNCC, as metodologias de ensino-aprendizagem devem privilegiar o protagonismo dos alunos, baseando-se em quatro eixos estruturantes: investigação científica, mediação e intervenção cultural, processos criativos e empreendedorismo. Um itinerário deve contemplar todos os eixos, enquanto as unidades curriculares devem atingir um ou mais. (BRASIL, 2018a).

Formação Geral Básica

A construção de Itinerários Formativos e a mudança da Formação Geral Básica é um desafio concreto para as escolas brasileiras. Professores e coordenadores têm sido  a linha de frente na formulação de cursos dos itinerários que precisam ser planejados de forma integrada e não redundante com a Formação Geral Básica. A comunidade docente precisa conhecer de modo profundo as intenções e as características das reformas curriculares para que possam definir os seus currículos, levando em conta a especificidade da sua realidade. A situação é bastante complexa e as preocupações pedagógicas e operacionais tomam conta da escola em toda a sua cadeia hierárquica.

Produção dos Itinerários Formativos

Quando os docentes e coordenadores têm a oportunidade de se tornar sujeitos ativos na produção curricular, em específico dos Itinerários Formativos, as mudanças introduzidas no EM brasileiro podem ser um caminho para desenvolver abordagens no ensino de ciências que rompam com a ênfase disciplinar de formação de especialistas. Ou seja, podem ser o caminho para o desenvolvimento de um ensino de ciências que instrumentalize e incentive os estudantes a vivenciarem dialeticamente as relações entre o conhecimento cotidiano e aquele historicamente estabilizado, construindo um ensino socialmente relevante, significativo e de qualidade. Uma abordagem possível para isso é o domínio do referencial Ciência-Tecnologia-Sociedade (e Ambiente) CTS(A), que nos orienta nos propósitos do ensino em ciências e em suas metodologias de ensino. Na Escola da Vila, foi definido que o enfoque globalizador teria papel central para todos os cursos dos itinerários, de modo que sempre trabalhamos temas complexos e reais por meio do conhecimento historicamente estabilizado das mais diversas disciplinas.

A superação dos problemas da escola tradicional, como o seu caráter transmissor e propedêutico, é uma das principais bandeiras da necessidade da reforma curricular brasileira, de acordo com os seus desenvolvedores. Entretanto, é preciso problematizar o que se ensina e como se ensina as ciências naturais de modo crítico. Se as escolas não tomarem para si a seleção, produção e adaptação de Itinerários Formativos, é possível que haja uma desorganização da estrutura do currículo de modo a aprofundar a crise e ocorrer o esvaziamento do conhecimento científico. A desestruturação do currículo poderia nos levar a uma situação ainda mais preocupante, portanto, todos os esforços devem ser empregados para se lidar com a questão.

Algumas das questões que se colocam nesse contexto são:

  • No Novo Ensino Médio, os estudantes participarão de atividades escolares humanizadoras, se apropriarão dos objetos da cultura humana, ampliando e complexificando a percepção da realidade que vivem? Ou serão levados a trabalhar temas cotidianos imediatos, desenvolvendo competências e habilidades genéricas sem considerar as estruturas sociais mais amplas?
  • Quais serão as estratégias pedagógicas mais coerentes de se implementar nesses novos cursos?
  • Como poderemos desenvolver sequências didáticas em que os estudantes estejam em constante papel ativo, de modo que os objetos de conhecimento das ciências naturais estejam presente em todo o trabalho educacional?
  • Quais são as novas formas de organização institucional que deverão ser formuladas nas escolas para possibilitar a implementação com qualidade?
  • Quais as estratégias de avaliação mais adequadas para cursos centrados em projetos, resolução de problemas ou investigação experimental? Como serão as avaliações externas, em especial o Novo ENEM?

Curso: Produção de Itinerários em Ciências Naturais no Novo Ensino Médio

Nesse curso de formação de inverno do Centro de Formação “Produção de Itinerários formativos no Novo Ensino Médio”, serão trabalhados os seguintes tópicos:

  1. Documentação do Novo Ensino Médio
  2. Histórico internacional recente das reformas curriculares
  3. Itinerários como oportunidade
  4. Abordagem CTS e temas complexos
  5. Avaliação externa: O Novo ENEM
  6. Estrutura pedagógica dos itinerários formativos em CN – o Currículo Paulista e o Currículo da Escola da Vila

Convidamos vocês a participarem conosco das palestras, discussões e produções na última semana de julho.

 

Documentação curricular

BRASIL. Min. da Educação/Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 3, de 21/11/2018. Brasília, 2018.

BRASIL. Min. da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

BRASIL. Min. da Educação/Gabinete do Ministro. Portaria Nº 1.432, de 28/12/2018. Brasília, 2018.

 

Escrito por Mauritz Gregorio de Vries – Professor de Química da Escola da Vila
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.

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