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O que está em jogo?

[1] Aleksandra Franco

A Matemática, tradicionalmente, é associada à conta armada, exercícios repetitivos, problemas e abstrações. Os jogos, geralmente, são vistos como recreação ou passatempo. As instâncias de jogo são parte de cada um de nós, parte de nossa história pessoal e da nossa relação com o mundo e, por isso, em maior ou menor grau, continuam presentes ao longo de nossas vidas. O dia a dia nas turmas de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental I está repleto de situações potentes para a imersão das crianças no universo dos números e na construção de aprendizagens sobre os diversos conhecimentos matemáticos.

Assim como na escrita, as crianças constroem o que pensam sobre os números, utilizando o meio em que estão inseridas, levantando hipóteses e refutando ideias. Segundo Delia Lerner e Patricia Sadovsky (2011): “Como a numeração escrita existe não só dentro da escola, mas também fora dela, as crianças têm oportunidade de elaborar conhecimentos acerca deste sistema de representação muito antes de ingressar na primeira série.”[2]

Do mesmo modo que estamos inseridos em um mundo letrado, também estamos inseridos em um mundo numérico, no qual a criança se depara com números em suas casas, carros, livros, placas, sapatos etc. Desta forma, ela diferencia letra de número, observando algumas regularidades e construindo o conceito de Sistema de Numeração Decimal (SDN).

Em alguns jogos, trabalhamos as propriedades do sistema numérico, como o valor posicional ou cálculo mental. A quantidade de cálculos mentais que são feitas em um jogo é muito grande, como no boliche, por exemplo, em que a bola é lançada – já calculando a força e intensidade para derrubar o pino –, há a anotação dos pontos feitos e depois é necessário somá-los para ver quem ganhou. Uma boa variável didática é atribuir pontuações diferentes para cada pino, por exemplo. Apesar de, no início, ainda não conhecerem as regras e normas do SND, as crianças conseguem dizer algumas características desse sistema mesmo desconhecendo seus porquês. Consideram, por exemplo, como maior número aquele que possui a maior quantidade de algarismos e já reconhecem o valor posicional dos algarismos quando afirmam que “o 3 do 30 é maior do que o do 13 porque é o ‘primeiro quem manda’”, para definir o maior número.

Dessa forma, os jogos são um grande recurso para trabalhar a Matemática e o raciocínio lógico. Também são grandes disparadores para as questões sobre a aprendizagem da Matemática na Educação Infantil. Neles, as crianças encontram situações-problema a serem resolvidas e necessitam pensar sobre. Para que comecem a escrever os números convencionalmente, as crianças precisam entrar em conflito cognitivo e refletir sobre sua representação.

Nos jogos como os de percurso, as crianças trabalham com a sequência numérica e a contagem nos dados e no tabuleiro. Por exemplo, quanto precisa tirar nos dados para ganhar; ou com estratégias, como, quando há um jogo com caminhos alternativos e obstáculos diversos, no qual a criança tem possibilidade de fazer opções, tomando decisões a todo o momento. Algumas vezes não conseguem transpor o número tirado e contá-lo no tabuleiro, como, por exemplo, quando uma criança tira 11 e só consegue andar 9 casas, pois “pula” algumas durante a récita numérica.

Os jogos de mesa envolvem o desenvolvimento do raciocínio lógico, implicado na necessidade de definir estratégias e de entender o ponto de vista do outro. Eles sugerem também a construção da noção de número e a notação numérica ou a ampliação dos conhecimentos sobre a escrita, entre tantas outras qualidades relacionadas ao processo de socialização.

Para crianças de 5-7 anos, por exemplo, escolhemos jogos com os quais as crianças precisam estabelecer relações números-quantidades, relacionar, compor e decompor números (principalmente os que formam 10), como: Memória de dez, Batalha, Batalha de Composição, Sete Cobras, Fecha Caixa, Jogo das Fichas. Além de jogos importantes para o raciocínio lógico-matemático, como Ta-te-ti, Curral, Reversi, entre outros. Segundo Constance Kamii (2015), “O que importa é o raciocínio efetuado pela criança, enquanto joga, porque é pensando que ela construirá o conhecimento lógico matemático e é ele que serve de estrutura para que a criança construa todos os tipos de conhecimento.”

Construir é um processo complexo, no qual a criança reúne diversos elementos da sua experiência pessoal para mostrar seus modos de pensar, de sentir, de ver o mundo, de descobrir, de criar. Lia Leme Zaia (2012) comenta que “A troca de pontos de vista, a necessidade de argumentar para defender suas ideias, de ouvir o outro, de superar conflitos e contradições, para continuar jogando, são indispensáveis tanto para o desenvolvimento cognitivo, como para o desenvolvimento social e moral.”

Os jogos são apresentados inicialmente para que as crianças se aproximem dos conteúdos acima citados e tenham repertório de procedimento e atitude para a introdução de uma frequência maior dos jogos de contar, por exemplo. É importante que as crianças tenham autonomia em relação ao espaço físico e aos jogos apresentados para que o professor possa circular pela sala, fazendo pequenas intervenções.

Assim, o trabalho com jogos, além do seu caráter lúdico, possibilita trabalhar com diferentes frentes que envolvem lógica, raciocínio e operações (adição, subtração, divisão e multiplicação).  A visão psicopedagógica também é envolvida nesse processo. No jogo, a criança tem a oportunidade de lidar com desafios de uma forma significativa e lúdica e, precisa pensar para dar continuidade à partida e recorrer aos seus conhecimentos. Os problemas já começam com quem vai iniciar a partida, muitas vezes, o grupo fica um bom tempo nessa resolução.

O jogo é uma intervenção por si só. A intervenção do professor está na escolha dos jogos, na organização dos pares e do espaço. Refletir sobre a jogada possibilita que a criança esteja mais apropriada do saber. Quando você pensa sobre a sua jogada, você cria mais estratégias sobre ela, explica a jogada para que o outro perceba a jogada dele, para facilitar a criação de estratégias, para jogar cada vez melhor.

Por meio dos jogos, o professor inclui a possibilidade do desenvolvimento da autonomia sócio moral, pois as crianças interagem com outras, tomam decisões juntas, e aprendem a resolver conflitos. Respeitar a regra, saber esperar a sua vez, lidar com a frustração, se colocar no lugar do outro também fazem parte do objetivo psicopedagógico do jogo.

É importante destacar que a intervenção psicopedagógica e a intervenção matemática (conceitual) caminham juntas, afinal isso tudo tem a ver com uma organização de pensamento, tem a ver com uma construção de abstração, uma lógica de pensamento.  E a escola é um espaço privilegiado do coletivo, onde há possibilidade da troca a todo momento e, essa troca acontece de forma natural devido à interação dos sujeitos. As crianças só desenvolvem o conceito de número a partir do desenvolvimento da autonomia moral.

 

[1] Aleksandra Franco é orientadora da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I – 1º ano da Escola Parque.
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.

[2] LERNER, Delia; SADOVSKY, Patricia. “O sistema de numeração: um problema didático”. In: PARRA, Cecília; SAIZ, Irma (org.). Didática da Matemática – Reflexões Psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 2011, p.74

 

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