Em uma publicação da Wired[1], revista norte-americana de referência em temas relacionados com a cultura digital, o autor fala que em 90% dos casos, podemos substituir a palavra metaverso por ciberespaço. Ele complementa que as tecnologias que compõem o metaverso incluem a realidade virtual (mundos que continuam existindo, mesmo se você não está jogando ou “presente” naquele espaço) e também a realidade aumentada, que combina aspectos do mundo físico e do mundo digital.
O metaverso não requer necessariamente o uso de equipamentos como os óculos de realidade virtual ou tecnologias do tipo, é possível acessá-lo via computador pessoal, console de games e até celulares. Há um forte aspecto comercial do metaverso e a proposta de aquisição e troca de “bens digitais” como roupas, acessórios, imóveis e bens em geral que podem ser criados, comprados e vendidos neste espaço. O autor questiona se o metaverso é mesmo uma novidade, citando o World of Warcraft e plataformas / jogos como Second Life, e até o Roblox e o Club Penguin, ambientes que já existem há tempos que usam recursos e tecnologias similares à proposta atual de metaverso. Todos eles são espaços / mundos virtuais que possibilitam/viabilizam o comércio, ainda que voltados para habilitar itens para um jogo ou dar acesso a outros mundos além de outras ações.
Ampliar o repertório da discussão
Um vídeo[2] do CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, traz exemplos como um grupo de amigos que compra ingresso para um show no metaverso e se encontram virtualmente “vestidos” com seus avatares. Existe uma referência ao uso de hologramas[3] na representação de pessoas do metaverso no mundo físico, mas a tecnologia capaz de trabalhar com essa representação ainda é cara e não acessível a maior parte da população.
Também há inúmeros filmes que procuram mostrar um mundo virtual paralelo no futuro, muitas vezes são distopias, como por exemplo “Jogador Nº1” do diretor Steven Spielberg. Nele, os personagens preferem a realidade virtual do jogo OASIS ao mundo real. Este é um excelente filme para ser usado como disparador de discussão sobre o metaverso com os estudantes.
Ainda é cedo para avaliar o impacto do metaverso na educação. Quando o Second Life foi criado, muitas Universidades criaram seu campus virtual neste espaço. Havia aulas e palestras nas quais se acessava o campus virtual e o avatar se sentava em uma cadeira para assistir aquela aula. Qual a vantagem de estar “presente” com meu avatar naquele espaço? Esta ação poderia trazer alguma vantagem para as aprendizagens? Parece-me que o metaverso ainda é uma promessa distante, principalmente considerando a realidade brasileira. Segundo o Painel TIC COVID-19[4] 74% dos usuários da internet com 16 anos ou mais, que estudaram na pandemia à distância, acessam a rede exclusivamente pelo celular. Entre os que frequentam escola ou universidade, o celular também aparece como a ferramenta mais utilizada (37%) para frequentar aulas e fazer as atividades escolares. Entre as barreiras mencionadas com relação ao ensino remoto na pandemia, destaca-se a dificuldade de comunicação com os professores (38%) e a falta ou baixa qualidade da conexão com a internet (36%). As dificuldades com relação ao acesso e conexão com a internet ainda são enormes no Brasil. É importante salientar, no entanto, que este “ciberespaço” terá impactos na vida de muitos, por isso é importante acompanhar a evolução destas tecnologias e trazer estes conceitos e temas para serem discutidos na escola.
Entender o funcionamento do Metaverso
Ainda com relação ao uso dessa tecnologia nas escolas, seria importante que os estudantes compreendessem o que é o metaverso e o movimento das grandes BigTechs neste sentido, principalmente Facebook (ou Meta), a Microsoft e o Google. Como a internet faz parte do cotidiano da maioria, é fundamental que as crianças e jovens entendam o funcionamento dos espaços virtuais; como o fluxo de dados, os filtros, os algoritmos funcionam; como seus dados são uma informação importante e desejada pelas empresas que atuam na internet, como funcionam as redes sociais, seus mecanismos de engajamento, a estrutura da busca na internet e tantos outros temas fundamentais para o uso crítico das tecnologias. Entender também o que são estes conceitos e saber circular no ciberespaço de forma consciente e ética faz parte das competências da BNCC. O metaverso é também um espaço virtual e traz consigo muitos outros temas, sociais, econômicos e comportamentais, que precisam ser conhecidos mais amplamente e discutidos na escola.
Existem iniciativas voltadas à frente de trabalho chamada de construção do pensamento computacional, que procuram apresentar conceitos como aprendizado de máquina, algoritmos e inteligência artificial de forma que as crianças e jovens possam construir, com programação (em plataformas e linguagens adequadas para a idade), recursos que os aproximam destes e outros conceitos. O Cognimates é um projeto do MIT que oferece recursos para o trabalho na escola. São propostas ótimas e fundamentais para a compreensão de tais conceitos.
Garantir a inclusão digital dos estudantes
Sobre a reprodução de aulas e escolas no metaverso, é importante mencionar que isso depende muito de uma análise dos reais impactos que isso pode trazer para as aprendizagens. Além disso, os estudantes conseguiriam ter acesso a estes espaços? Que tipo de tecnologias eles precisariam usar para o acesso e participação? Este acesso seria fornecido pela escola? Como seus dados seriam usados pelas plataformas? Que plataformas seriam estas? Se este acesso representar uma forma de exclusão de alguns, este definitivamente não é o caminho. Se é possível que a escola ofereça um acesso, ainda que compartilhado, para uma exploração de algum aspecto interessante para os temas e competências que estão em jogo, por que não? É preciso conhecer para questionar. Lembrando que a competência geral nº 5 da BNCC é “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.”
Metaverso na aprendizagem
O digital deve sempre ser usado na escola levando em consideração os objetivos de aprendizagem propostos, o acesso dos estudantes, as vantagens com foco nas aprendizagens, o contexto da atividade educacional e um uso crítico, reflexivo e ético das mesmas. Há muita moda no mercado de tecnologias digitais e muitos recursos e ambientes virtuais podem reproduzir e priorizar um ensino transmissivo, no qual o estudante é passivo e um mero depositário ou consumidor de conteúdos. O digital deve estar a serviço de qual educação? Quais competências os estudantes precisam construir diante dos desafios da contemporaneidade? Devemos aceitar todas essas tecnologias e consumi-las sem qualquer questionamento? O recurso, plataforma ou tecnologia usada reforça aspectos pedagógicos alinhados com o estudante que está se formando? Quão útil será a tecnologia para tratar de questões de equidade e inclusão? Existe um conceito chamado colonialismo digital, que pode se resumir no uso da tecnologia digital para a dominação política, econômica e social de grupos, nações e população em geral. Há inúmeros pesquisadores estudando um funcionamento colonizador das grandes corporações no que diz respeito ao uso de dados pessoais na Internet e sua manipulação voltada à mudança comportamental massiva. O metaverso então poderia reforçar o colonialismo digital? Estas e outras questões devem guiar o uso dos espaços virtuais e das tecnologias usadas. O digital deve permear uma educação crítica, que conduza os estudantes à compreensão e questionamento de tais fenômenos. A tecnologia deve estar a serviço da educação e não o inverso!
Escrito por Helena Andrade Mendonça – Coordenadora de Tecnologias Educacionais da Bahema Educação
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.
* Ilustração de capa: “Wannabe” (Reprodução/Instagram/Marco Melgrati @m_melgrati)
[1] What is the Metaverse, Exactly? Disponível em https://www.wired.com/story/what-is-the-metaverse/
[2] The Metaverse and How We’ll Build It Together — Connect 2021. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Uvufun6xer8&t=775s
[3] Hologramas são imagens tridimensionais criadas a partir de feixes de luzes que refletem objetos físicos
[4] Painel TIC COVID-19, pesquisa realizada em 2020 pelo CETIC Brasil. Disponível em https://cetic.br/pt/tics/tic-covid-19/painel-covid-19/3-edicao/