Criatividade e Imaginação: Isso é para mim?

por Gisele Pires Milani

 

A habilidade de projetar-se para o futuro, criar algo novo e transformar algo já existente é uma característica que nos distingue dos outros seres vivos e, mais recentemente, da tão aclamada e até temida Inteligência Artificial (IA). Também é consenso entre a sociedade que cada vez mais é necessário ser criativo para entender e apresentar soluções para problemas em um mundo complexo e com mudanças tão rápidas.

No entanto, as perguntas que surgem são: a criatividade é apenas para alguns privilegiados? Podemos reconhecer ou desenvolver nossa capacidade criativa?

Durante muito tempo, a crença comum era aceitar que ser criativo era um dom reservado a poucos, e os menos afortunados deveriam se contentar em reproduzir ou seguir o que já havia sido criado. Pesquisas não muito recentes relacionadas ao pensamento criativo e seus processos fornecem base para sustentar que “a criatividade é um potencial inerente ao homem, e realizar esse potencial é uma de suas necessidades” (OSTROWER, 1977, p.5). Surge então uma nova questão: como desenvolver esse potencial criativo?

Segundo os investigadores Sternberg e Lubart (1991, 1993, 1995 e 1996), alguns traços de personalidade são considerados características de um criador, e entre esses traços destacam-se a coragem para se expressar, a tolerância à ambiguidade, a autoconfiança, a predisposição a correr riscos e a perseverança. No entanto, mesmo essas características consideradas inatas podem ser evoluídas. O comportamento criativo e seu desenvolvimento devem levar em consideração diversos fatores inter-relacionados, tais como o contexto ambiental, a motivação, a inteligência, os estilos intelectuais, o conhecimento formal e informal, e a personalidade.

Mas o que isso significa? Sternberg e Lubart concordam com a teoria de que todos nascem com potencial criativo, mas para desenvolvê-lo é preciso saber o que motiva você e ter domínio sobre o assunto escolhido, uma vez que a capacidade de síntese e de comunicar conteúdos é uma condição para a evolução de um projeto. Nesse sentido, um ambiente familiar, escolar ou profissional que favoreça novas ideias e proporcione suporte para resultados tangíveis pode ser considerado um ponto de partida para que cada indivíduo possa perceber e identificar seu próprio caminho ou perfil criativo.

Quando falamos de criatividade na infância, a imaginação e a fantasia desempenham um papel fundamental em atividades criativas do cérebro, e elas estão presentes nas brincadeiras e em todas as experiências da criança. Nesse sentido, Vygotsky nos traz uma contribuição fundamental em seu livro “Imaginação e criatividade na infância” (2014, p.13):

Se quisermos proporcionar bases suficientemente sólidas na infância, é necessário ampliar suas experiências. Quanto mais a criança vir, ouvir, experimentar, quanto mais aprender e assimilar, quanto mais elementos da realidade a criança tiver à sua disposição na sua experiência, mais importante e produtiva, em circunstâncias semelhantes (à realidade), será sua atividade imaginativa e por conseguinte, criativa.

Existe ainda outro aspecto muito importante a ser considerado. Temos facilidade em reconhecer grandes feitos como sendo criativos. Ninguém negaria a capacidade inventiva presente nas composições de Mozart, nas descobertas de Darwin ou nas obras de Tolstói, mas é preciso reconhecer que “um fato criativo não é só quando se criam grandiosas obras históricas, mas também o é, sempre que o homem imagina, combina, altera, cria algo novo, mesmo que possa parecer insignificante quando comparado às realizações dos grandes gênios” (VYGOTSKI, 2014, p.5).

Assim, convidamos cada um de nós a estimular e encorajar nosso impulso criativo, seja em qualquer área ou meio, para que nossa capacidade criativa não seja esquecida. Como cuidadores, pais, mães ou simplesmente como seres humanos vivos e ativos, precisamos continuar resistindo, servindo de modelo e oferecendo às nossas crianças espaços férteis para que elas continuem imaginando e criando. Somente assim continuaremos nos destacando nesse mundo que não para de mudar e nos desafiar.

 

Referências Bibliográficas

OSTROWER, Fayga – Criatividade e processos criativos, 1977. Ed Vozes, São Paulo

STERNBERG, R. J. & LUBART, T. I. – Creative giftedness: a multivariate investment approach. 1993

____________________________- Defying the crowd. Cultivating creativity in a culture of conformity. 1995. New    

York: The Free Press.

____________________________- Investing in creativity. American Psychologist, 51, 677-688.VIGOTISKY, L.S – Imaginação e criatividade na infância, 2014. Ed Martins Fontes, São Paulo

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