(Re)pensar o conhecimento da e na sala de aula

por Ricardo Jaheem

O que sabemos da inventividade africana? Quais são as tecnologias criadas pelos diferentes povos de origem africana e indígenas antes do violento processo de colonização? Ao começar este texto com estas perguntas utilizo a seguinte estratégia: convidar vocês educadores a construírem um movimento necessário de reflexão para falarmos da construção de outros paradigmas do conhecimento científico em sala de aula.

 

Vamos questionar a forma como implementamos cotidianamente nossas práticas, o processo mecânico de não refletir sobre outras perspectivas de produção de conhecimento e o apagamento histórico dos saberes negros e indígenas. Todo o processo será centrado na sala de aula, nas práticas e na fundamentação de ações cotidianas possíveis para uma prática que almeje uma reparação histórica.

 

Sabemos que historicamente, o pensamento científico delegou a todos os que não faziam parte do cenário intelectual colonial um lugar de negação de produção de saberes. Para isto, nossos saberes ancestrais foram relacionados ao senso comum. Todas as hipóteses, afirmações e observações dos povos indígenas sobre o manejo responsável da floresta, por exemplo, ou a percepção da cosmologia, são determinados como conhecimentos inferiores.


A colonização não pode mais ser o centro de nosso processo educativo. Você pode estar se perguntando: “Em minhas aulas eu atuo como um instrumento dessa dominação intelectual?” ou, “qual a minha responsabilidade neste processo?”. A nossa proposta, no decorrer da formação, é estabelecer questionamentos como este e convidar a cada participante a reconhecer em suas práticas possibilidades de refundar o ensino de ciências exatas e da natureza.

 

Não podemos reproduzir para nossos estudantes nas disciplinas de ciências naturais e em nenhuma outra, o viés eurocêntrico. Por isso, em nosso encontros vamos estudar as construções intelectuais, científicas e culturais dos povos afro-brasileiros e indígenas, visando enfrentar o epistemícidio reproduzido no cotidiano escolar.

 

Pretendemos reconhecer, neste movimento de circularidade, as produções intelectuais de atores e movimentos que foram/são fundamentais para a produção do conhecimento científico. Por exemplo, a importância das comunidades quilombolas durante o período colonial para o estabelecimento de um sistema econômico paralelo baseado em culturas de subsistência. E vamos, em conjunto, pensar caminhos para integração de todo o conteúdo envolvido neste tema no interior das aulas.

 

Um outro exemplo, que vamos analisar em conjunto, é a importância da população africana para a constituição do sistema decimal. E, também, a participação das mulheres negras norte-americanas na constituição do projeto espacial de seu país. Podemos citar ainda, a arquitetura e a matemática presentes nas obras de Mestre Valentim. E, afirmando a matemática presente na construção rítmica do samba, as engenharias que envolvem os desfiles e a importância econômica desta mobilização cultural para os debates sobre sustentabilidade.

 

Este texto é apenas uma demonstração de um processo de ruptura que será vivenciado no decorrer da formação, que será um convite permanente à reflexão. Pretendemos construir novos referenciais para que em todas as suas aulas vocês apresentem  uma referência, um conteúdo e a polifonia africana, afro-brasileira e indígenas para “empretecer” a práticas educativas.

 

Colocamos “empretecer” entre aspas para destacar a importância deste movimento, de olharmos para o currículo como uma ponte para a fundamentação de práticas educativas de implementação da educação para as  relações étnico-raciais. Quem sabe no futuro, depois de nosso ciclo formativo, podemos retirar as aspas e dizer publicamente que pensar ciência não pode ser um movimento apenas embranquecido? 

 

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