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Escola, lugar de encontro: a importância da convivência para a reconstrução do bem-estar das novas gerações

A escola é, por excelência, um lugar de encontro. Encontro com o outro e encontro consigo. Depois da casa e da família, que são espaços de socialização primária na vida de uma criança, a escola é o grande agente fomentador da convivência, promovendo o contato com o diferente e possibilitando experiências distintas daquelas que geralmente são vividas no âmbito domiciliar.

A importância da convivência com os demais

Na escola, as crianças convivem não somente com outros adultos, diferentes de seus parentes, mas também com outras crianças, diferentes de si próprias. Ao interagir com os pares, elas percebem que o seu modo de notar o mundo não é o único possível: há pessoas que se vestem diferente, que falam diferente, quem tem histórias diferentes, famílias diferentes, religiões diferentes, cabelos diferentes, cores de peles diferentes, hábitos alimentares diferentes… E que, por tudo isso, pensam diferente, o que abre portas para descobrir o mundo em toda a sua complexidade.

Assim, muito mais do que um ambiente de formação intelectual, a escola desempenha também o papel de formadora social e emocional, onde as crianças experimentam pela primeira vez uma série de sentimentos e emoções. Sentem ciúmes do colega que recebe mais atenção de uma amiga, vergonha de pedir para ir ao banheiro em público e medo de rejeição da turma, por exemplo. Na adolescência, esse processo continua, traduzido e atualizado pelas questões típicas da faixa etária.

Esse foi o tema da apresentação da professora e pedagoga Catarina Carneiro Gonçalves, no Ciclo de Palestras “Bem-estar: a potência da escola para o enfrentamento dos desafios pós-pandemia”, organizado pelo Centro de Formação da Vila e pela Bahema Educação.

Para nos ajudar a pensar em maneiras de lidar com as dificuldades vividas neste momento de volta às atividades presenciais, marcado pelo aumento de casos de ansiedade, pânico, depressão e bullying, Catarina enfatizou a importância da escola na construção dos afetos e amizades. Afinal, quando falamos de bem-estar e de desenvolvimento integral, a amizade é um fator que não pode ser esquecido.

Escola como laboratório social dos alunos

Já em 1999, a Unesco indicou o aprendizado da convivência como um dos quatro pilares fundamentais da educação contemporânea (ao lado de aprender a aprender, a fazer e a ser), além de sugeri-lo como o grande desafio para o século XXI. Isso sem nem imaginar que passaríamos por uma pandemia que deixaria marcas tão profundas para o convívio.

O ser humano não só constitui as relações das quais faz parte, mas também é constituído por elas. Nesse sentido, a escola representa um grande laboratório social para a infância e para a juventude, em que a constituição dos sujeitos acontece ao mesmo tempo no âmbito individual e coletivo. Por ser esse espaço privilegiado de interações, é nele também que acontecem muitos dos conflitos vividos pelas novas gerações.

Catarina argumenta que, como parte intrínseca das relações, os conflitos não podem ser impedidos, nem devem ser apenas evitados. Para as crianças e os jovens, mais importante do que furtar-se do conflito, é aprender a lidar com ele. Ou seja, é preciso levar o outro em consideração, ouvi-lo e ser ouvido, respeitá-lo e ser respeitado, compreendendo que as discordâncias e os distintos pontos de vista sempre existirão, podendo conviver e coexistir.

Deste modo, aos poucos vão sendo construídos os princípios morais e os valores éticos que guiam a convivência, e que servirão como base para as relações pelo resto da vida. Acontece que, com o início da pandemia e com o necessário fechamento das escolas, os alunos e alunas ficaram, por muito tempo (em alguns casos, quase dois anos; em outros, mais de dois anos), sem esse ambiente único de convivência. Os prejuízos daí decorrentes estão sendo sentidos por todos e todas, das maneiras mais variadas possíveis.

Dificuldades no retorno para escola

Educadores e educadoras, assim como as próprias famílias, têm relatado um aumento de transtornos psicológicos – muitas vezes seguidos de medicalização –, tanto quanto maior recorrência de episódios de agressividade e de dificuldades dos alunos e alunas em se (re)adaptarem à rotina da escola. Em recente estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), citado por Catarina, a falta da convivência escolar é apontada como causa para muitas das consequências emocionais vividas pelos estudantes, como a diminuição da autoconfiança, da autonomia e das capacidades comunicativas.

Se durante muito tempo se falou sobre os desafios que seriam enfrentados para recuperar as aprendizagens de conteúdos perdidos nesse período, hoje a maior preocupação parece estar em torno da recomposição de um ambiente escolar acolhedor, no qual as crianças e os jovens se sintam seguros e, com isso, capazes de restabelecer melhores condições de saúde mental.

E tudo isso, é claro, não pode ser feito sem a parceria das escolas com as famílias. Até porque, apesar de privilegiado, a escola não é o único lugar de convivência das novas gerações. Por isso, Catarina nos provoca: que outras oportunidades de interação estamos ajudando os meninos e meninas a ter acesso? Quais são as possibilidades que eles têm hoje, dentro e fora da escola, para manter vínculos afetivos e construir amizades? Em que momentos essas experiências estão sendo mediadas por adultos e em que momentos há abertura para o livre brincar? Quais repertórios estão sendo mobilizados nas brincadeiras?

O quanto o uso de eletrônicos e a presença quase que onipresente da tecnologia online não estão limitando as interações?, indagou também parte do público que assistia à palestra. Ao que Catarina respondeu com uma nova pergunta: nossos filhos e filhas, alunos e alunas estão ficando mais sozinhos porque estão no celular, ou estão no celular porque estão mais sozinhos? No primeiro caso, precisamos mostrar a eles que há mundo para além das telas; já no segundo, é preciso mostrar que há outras companhias possíveis para além das interações do universo virtual.

Pensando em como encarar todos esses desafios, três escolas do grupo Bahema Educação desenvolveram e ampliaram, com a ajuda de Catarina, o Projeto Amizade Responsável – que em breve deve ser expandido também para outras escolas. O Projeto busca organizar Equipes de Ajuda que contribuam para a boa convivência escolar, encorajando o protagonismo dos próprios adolescentes para refletir e debater, acompanhados de professores e professoras sempre que necessário, sobre temas sensíveis de seus cotidianos, a fim de construir soluções para mediar conflitos e administrar sofrimentos.

 

Escrito por Bianca Laurino – Equipe de Comunicação da Bahema Educação
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.

Aqui no Centro de Formação, continuaremos a discutir em nosso Ciclo de Palestras como escola e família podem atuar juntas nesse contexto. Nesta quinta-feira (11/08), às 19h30receberemos o professor e psicanalista Rinaldo Voltolini, que nos convida a pensar a escola não apenas como um lugar de lições e tarefas, mas também como um espaço de grandes aventuras. Não perca!

1 comment

  1. Regina

    Muito interessante falar sobre o tema,mas ainda acredito que a escola com “instrutora” tem deixado a desejar: pelo fato da não valorização do profissional da educação, do diálogo entre Família X Escola e do acolhimento das “crianças” ,que,na maioria das vezes, não são ouvidas.

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