por Ana Carolina Rosa
A nossa Cultura Popular Brasileira se constrói a partir das experiências dos africanos no Brasil, fruto da diáspora. Com influência indígena e europeia, as brincadeiras, os rituais, as danças, os toques, os cantos, as histórias da nossa rica cultura são fundados em uma cosmovisão dos povos antigos e originários. Nessa perspectiva, as práticas culturais do povo são ricas em elementos e valores que contribuem para o desenvolvimento da autonomia, uma vez que o sujeito individual está intimamente relacionado ao coletivo. Estas práticas se dão, prioritariamente, no grupo e é necessário que todos se envolvam em prol do todo, ocupando funções e buscando integrar-se harmonicamente a cada elemento do grupo também.
Ao brincar, ou vadiar, como é comumente falado no meio da Cultura Popular, desenvolvemos a descentração, uma vez que é preciso perceber-se parte do coletivo, compreendendo a importância de cada um. Brincando, promovemos a biofilia (WILSON, 1984), ou seja, o amor à vida, quando entendemos que as práticas da nossa cultura estão ligadas aos nossos modos de sobreviver sustentável através da terra (roça, pesca, gado…) e que somos parte dela. Vadiando, contribuímos para a construção de uma consciência comunitária, ou seja, quando sabemos que colaborar é o único caminho para que todos ganhem: o indivíduo, a sociedade e o planeta. Assim, convivendo e construindo de forma coletiva para um bem comum, os brincantes da nossa cultura compreendem, desde cedo, em um ambiente sócio-moral, que os caminhos da sociedade são responsabilidade de cada um que a compõe.
Dessa forma, mais do que obedecer regras sociais convencionalmente estruturadas, os brincantes, livres das couraças que nos impedem de cantar, dançar e batucar e nos colocam na esteira da produtividade individualista e competitiva, são capazes de pensar criticamente e caminhar para tomadas de decisões que considerem o todo, dando um salto moral fundamental que rompe com o egocentrismo e segue na busca de um ecocentrismo. James Lovelock (2006), em sua teoria de Gaia, salienta a importância desse deslocamento (do ego ao eco), explicitando que fazemos parte de um organismo vivo e que é fundamental nos implicarmos no bem estar desse organismo.
Diferentes expressões culturais brasileiras nos convocam à presença. Uma roda de Capoeira, um cortejo de Maracatu, um pique entre as crianças, um Samba de Roda e tantas outras brincadeiras nos levam a vivenciar o presente e a inteireza na relação com o outro. Experimentando a alegria do encontro, que conecta com a ancestralidade do povo brasileiro e constitui parte fundamental e estruturante de sua identidade, os brincantes não estão no ontem nem no amanhã, mas desfrutam o presente enquanto conhecem mais de si a partir da relação com o todo.
Maria Cecília Almeida e Silva (1998) aponta que a construção da autonomia pressupõe a presença do outro, a integração com a natureza, a capacidade de estar desperto (fugir ao automatismo), a sensibilidade através da arte e diversos outros aspectos que percebemos centrais na nossa Cultura Popular. Esta, por ser transdisciplinar, possibilita que os sujeitos que caminham na direção da autonomia, se expressem através de múltiplas linguagens, construindo sentidos diversos e responsivos sobre nosso papel na sociedade.
A criança, imersa na Cultura Popular, é convidada cotidianamente a descentrar-se, vivendo o presente com atenção e prazer, compartilhando rituais, percebendo-se parte da natureza com seus ritmos, ciclos e movimentos, integrando-se a uma produção coletiva a partir de seus talentos, habilidades e desejos, desenvolvendo uma consciência comunitária, valorizando mais o “ser” que o “ter”, atuando de forma mais colaborativa nas dimensões pessoal, social e planetária.
Assim, apropriar-se da nossa Cultura Popular e de alguns elementos pacíficos e integrativos, como os trazidos nesse texto, é uma estratégia rica e potente para que os educadores atuem no desenvolvimento moral de crianças e adolescentes, promovendo vivências aos educandos a partir das diversas práticas culturais presentes no nosso país, contribuindo para a construção de uma sociedade mais empática, sustentável e humana. O curso “Cultura Popular e o desenvolvimento moral na infância” tem como objetivo explicitar e aprofundar as questões trazidas nesse texto, contribuindo para a ampliação de um repertório de práticas da nossa Cultura Popular com foco no desenvolvimento da autonomia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LOVELOCK, James. Gaia: cura para um planeta doente. São Paulo: Ed. Cultrix. 2006. 192 p.
SILVA, Maria Cecília A . Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
WILSON, Edward. Biophilia. 12. ed. Londres: Harvard University Press, 1984. 168 p.