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Debates contemporâneos: como envolver os adolescentes com sua própria época?

[1] Daniel Bahiense
[2] Sância Velloso

As transformações vivenciadas pelas sociedades contemporâneas testam, a todo instante, a função social das escolas no tempo presente. Agendas e identidades plurais (de múltiplos atores sociais), urgências ambientais, mudanças nas relações de trabalho, tecnologias revolucionárias, ondas migratórias, guerras, novas pestes e novas formas de se fazer cultura são apenas algumas das marcas de nosso tempo acelerado, que tem obrigado as escolas a repensarem seus cotidianos, suas prioridades e seus propósitos, sob pena de serem atropeladas pelas mudanças em curso. Assim, não parece exagerado afirmar que o modelo escolar dominante nos últimos cento e cinquenta anos, forjado em uma lógica iluminista-fabril, corresponde a um tempo que não existe mais. E, para além disso, que esse modelo escolar, comprometido com aquele passado, parece ineficaz na intenção de envolver e implicar jovens estudantes que precisam estar no espaço escolar por muitas horas, durante a semana.

Esse quadro de complexidade e especificidades, tal qual inúmeros autores vêm enunciando (MORIN, 1996, 2002; NÓVOA, 2022; SERRES, 2013; MENEZES, 2021; HARARI, 2018), nos sinaliza que explicações simplistas dificilmente darão conta de identificar, elucidar e resolver os grandes impasses que se colocam na atualidade. Por seu turno, a escola, como parte dessa realidade, não pode se render a nenhuma visão educacional igualmente simplista, já que precisa estar à altura do desafio do que é educar nesse quadro de incertezas e mutações constantes que vivemos.

Se manter-se paralisado diante desse cenário não é uma opção para o mundo da educação, frente a esse quadro de complexidade, como envolver os adolescentes com sua própria época?

Uma resposta possível a essa questão passa por entender que o que está em jogo, na prática, é o envolvimento dos estudantes com os desafios e as belezas de sua época. A complexidade, nos lembra Edgar Morin, não é uma palavra-solução, porém uma palavra-problema (MORIN, 2005). O tempo presente produz um caldo diverso, instigante e inesgotável de possibilidades de aprendizagens, mas também um campo de atuação para ações transformadoras, capazes de gestar soluções para inúmeras questões da atualidade. “Apresentar aos jovens o mundo como um problema seu” (MENEZES, 2021. p. 13) parece, portanto, um caminho para colocar adolescentes diante da possibilidade de investigação de problemas reais da vida e de conectá-los a uma visão cidadã global.

A escola pode proporcionar, desde a Educação Infantil, experiências às crianças de modo sistemático, como, por exemplo, viver em grupo, distribuir tarefas, gerir problemas de maneira participativa e atuar com autonomia, podendo recorrer ao adulto quando preciso (VASCONCELLOS, 2007). Tais práticas cotidianas simulam uma ação participativa que prepara as crianças e os adolescentes para o engajamento e protagonismo em outras instâncias, para além do contexto escolar.

A adolescência é uma fase de transição entre a infância e a fase adulta, que se caracteriza por muitas mudanças não só físicas, mas também psicológicas. É nessa fase que o adolescente começa a definir-se, a fazer suas escolhas e a estabelecer limites e possibilidades em sua vida. É um momento em que o sujeito pode ensaiar e errar, experimentando diversos papéis. É nessa fase que a escola pode atuar, de forma mais direta, favorecendo a implicação ativa de seus estudantes na condição de sujeitos de direitos.

Por isso mesmo é que retomamos a ideia de que cabe à escola entender os contextos – local e global – em que seus estudantes estão inseridos, avaliando quais espaços de reflexão, de atuação e de construção do conhecimento podem lhe ser oportunizados. Espaços concretos de experiência a fim de que sejam capazes de produzir, inclusive, tomadas de decisão, sem que suas participações não sejam uma mera imitação do que fazem os adultos. Saraus, assembleias para elaboração de regras e combinados, ampliação das formas de construção de conhecimento, por meio de interpretações singulares, criativas e críticas, aplicadas em suas práticas cotidianas (brincadeiras, jogos, simulações e interações com quem convivem), coletivos culturais, debates, sobre pautas emergentes e urgentes, podem ser importantes e representativos, aliados no protagonismo e engajamento.

Se a premissa de que devemos apresentar aos jovens o mundo como um problema seu é relevante, é igualmente importante que esse mesmo mundo seja um campo potente para experiências que possibilitem aos adolescentes se sentirem como uma parte orgânica do espaço que habitam. Uma parte capaz de inventar soluções, construir mundos diferentes, enquanto constroem a si mesmos.


[1]
Daniel Bahiense é Coordenador Pedagógico do Ensino Fundamental 2 da Escola Parque – Unidade Barra.
[2] Sância Velloso é Orientadora Docente do Ensino Fundamental 2 da Escola Parque – Unidade Barra.
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.

 

Referências bibliográficas

ALBERTI, Sônia. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2018.
MENEZES, Luís Carlos de. Educar para o Imponderável: uma Ética da Aventura. São Paulo: Ateliê Editorial, 2021.
MORIN, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. 2. ed. Lisboa: Europa-América, 1996.
__________. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. [tradução Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya]. 6ª ed. São Paulo: Cortez editora; Brasília: Unesco, 2002.
__________. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução do francês: Eliane Lisboa – Porto Alegre: Ed. Sulina, 2005.
NÓVOA, António. Escolas e Professores: Proteger, Transformar, Valorizar. Salvador: SEC/IAT, 2022.
SERRES, Michel. Polegarzinha. 5ª ed. Trad. Jorge Bastos. Belo Horizonte: Bertrand Brasil, 2013.
VASCONCELLOS, Teresa. A importância da educação na construção da cidadania. Saber (e) Educar, 12, pp. 109-117. 2007.

1 comment

  1. Lanquirley

    “ Se a premissa de que devemos apresentar aos jovens o mundo como um problema seu é relevante, é igualmente importante que esse mesmo mundo seja um campo potente para experiências que possibilitem aos adolescentes se sentirem como uma parte orgânica do espaço que habitam. Uma parte capaz de inventar soluções, construir mundos diferentes, enquanto constroem a si mesmos.”
    Sem mais…esses dois arrebentam! Um privilégio trabalhar com ambos.

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