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A retomada da grande aventura escolar

Nos últimos meses, um dos temas que mais tem preocupado os educadores e educadoras é como tornar o ambiente escolar um espaço ainda mais acolhedor para as crianças e os jovens, uma vez que a volta às atividades presenciais vem sendo marcada por muitos impasses. Não são raras as situações que hoje revelam o recrudescimento do mal-estar entre as novas gerações. Para além do aumento de diagnósticos de ansiedade, pânico e depressão, suicídios e episódios de agressividade assustam as famílias e as escolas.

Afinal, o que pode ser feito para reconstruir o bem-estar? Como contribuir para a melhora da saúde mental de crianças e jovens? Para responder a essas perguntas, no entanto, é preciso antes pensar a respeito das próprias causas do que chamamos de mal-estar. Esta foi a provocação com a qual o professor e psicanalista Rinaldo Voltolini abriu sua fala no Ciclo de Palestras “Bem-estar: a potência da escola para o enfrentamento dos desafios pós-pandemia”, organizado pelo Centro de Formação da Vila e pela Bahema Educação.

Sem dúvida, sabemos que esse mal-estar foi causado, em grande medida, por conta da pandemia. O isolamento social e os quase dois anos (em alguns casos, até mais) que os alunos e alunas passaram em casa, por força das circunstâncias, implicaram em grandes mudanças na relação estabelecida entre família e escola. Os familiares foram convocados a exercer uma série de tarefas relacionadas à mediação das atividades escolares propostas diariamente, o que não só alterou as rotinas pessoais, mas também evidenciou que esse papel, antes atribuído aos professores, não pode ser simplesmente transposto às famílias.

Função social da escola

Como argumentou Rinaldo, apenas quando pensamos na escola como uma mera agente de aprendizagens (entendimento que vem se consolidando no Brasil nos últimos 30 anos) que podemos acreditar na sua transferência para outro lugar, como o universo domiciliar. E isso nos mostra que o mal-estar ao qual nos referimos está relacionado, também, à própria compreensão da função social da escola, bem como ao seu funcionamento.

Mesmo depois de superar as dificuldades técnicas, fortemente presentes no início das aulas remotas, a escola a distância mostrou não ser suficientemente capaz de oferecer o que ela sempre proporcionou. Isto é, para além dos conteúdos curriculares, a escola sempre foi um importante espaço de socialização, em que as crianças e os jovens têm a oportunidade de conviver e aprender a se relacionar (tema da palestra de Catarina Carneiro Gonçalves).

Apesar da dedicação sem tamanho dos professores e professoras e do grande esforço empenhado por muitas famílias, que se desdobraram para conciliar diferentes ocupações em um mesmo ambiente (escola, trabalho, lazer, descanso etc.), ficou claro que as telas não substituem a presencialidade, nem mesmo com a ajuda dos mais avançados recursos tecnológicos. Estar na escola não se traduz somente em assistir aulas e fazer lições – ou, pelo menos, não deveria.

A etimologia da palavra escola já indica uma de suas principais características: do grego “scholé”, significa ócio, tempo livre de trabalho. Contudo, Rinaldo ressalta que é preciso compreender o ócio não como um desperdício de tempo, mas sim como aquilo que está livre da obrigatoriedade e da necessidade de produção, ou seja, está disponível para a contemplação, a experimentação, o pensamento e a curiosidade. Quanto mais a escola se aproxima de uma noção produtivista, em que tudo precisa ser convertido em rendimento, mais se perde esse caráter positivo da ociosidade.

Acompanhando as transformações da sociedade

Como resultado dessa lógica, antes se pensa em recuperar as aprendizagens perdidas durante o período em que as escolas estiveram fechadas do que em reaver o seu modo de interação, seja com os pares, seja com o próprio conhecimento. De fato, a escola é lugar de aprender, mas essa não é a sua única particularidade. Nela, é possível selecionar um objeto de estudo e contemplá-lo, de diferentes pontos de vista. Uma simples maçã se torna tema para a física, química, biologia, história, matemática, língua portuguesa etc.

Portanto, quando afirmamos que a escola deve mudar e acompanhar as transformações da sociedade (o que decerto deve acontecer), isso não pode ser feito sem um crivo crítico. O suposto anacronismo por detrás da imagem, hoje muito difundida, que de “nossa escola é do século XIX, o professor do século XX e o aluno do século XXI” nem sempre corresponde à realidade, uma vez que a instituição escolar foi uma das que mais sofreu alterações nos últimos séculos. Podemos destacar aqui, a título de exemplo, sua legislação, seu currículo, sua arquitetura, a formação docente e até mesmo a organização das cadeiras nas salas.

Por isso, é possível indagar como ela reagiu às mudanças sociais e culturais ocorridas e quais foram os resultados desse processo, mas não dizer que é uma instituição parada no tempo. A escola ainda exerce sua função de intermediária entre o mundo privado e público? Ainda consegue oferecer a experiência da diferença, em que os valores particulares, em geral provenientes da família, são confrontados com princípios universais, decorrentes da ética coletiva?

A grande aventura escolar

Se, durante muito tempo, a ideia de “criar os filhos para o mundo” embasava o discurso das famílias diante da escola, atualmente elas parecem estar cada vez mais interessadas em “proteger os filhos do mundo”. Essa inversão, segundo Rinaldo, somada à competitividade mercadológica na esfera escolar, colabora para o sofrimento psíquico dos estudantes.

Nesse sentido, a escola não pode perder uma das marcas de sua essência: o lugar de aventuras. Aventuras intelectuais, em que as crianças e os jovens são constantemente provocados a refletir e a construir seus próprios conhecimentos, sem atender a métricas e disputar entre si; e aventuras emocionais, em que o desafio de lidar com o outro envolve sempre riscos e demanda o desenvolvimento de habilidades para encarar conflitos, parte intrínseca da convivência.

Em outras palavras, Rinaldo nos lembra que a escola não pode deixar de representar um espaço de possibilidades em aberto para todos e todas, seguro para experimentar, testar, errar e acertar. Por mais que escola e família tenham um objetivo comum (a educação compartilhada das novas gerações), seus papéis são distintos e precisam estar bem nítidos, para que não sejam confundidos. Só assim estará assegurada a função da escola para que, então, seja possível torná-la um ambiente acolhedor e que promove bem-estar.

 

Escrito por Bianca Laurino – Equipe de Comunicação da Bahema Educação
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.

 

Nesta quinta-feira, dia 18/08, às 19h30, continuaremos a debater o bem e o mal-estar nas escolas, ao lado do educador e terapeuta André Trindade, que nos ajudará a pensar sobre a corporalidade e seus indicadores. Não deixe de participar!

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