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O ofício do professor e o ensino de valores: a neutralidade é possível e desejável?

Seria possível enumerar os fatores que mobilizam alguém a ensinar e a ocupar o papel de professor ou professora? Certamente, a lista desses ingredientes seria longa, ampla e rica, e caberia fazer esse exercício em uma plataforma de livre acesso ao público. Mas, por ora, vamos elaborar uma breve reflexão nestas linhas. Poderíamos levar em conta, por exemplo, o deleite pelo conhecimento, bem como o reconhecimento de tudo aquilo que um professor desenvolve em termos pessoais quando alguém está em posição de aprender.

Quem ensina também está permanentemente revisando seus conhecimentos e, na lida com outras pessoas (não importa aqui a faixa etária), também está aprendendo. É claro que há diferenças na posição do aluno e do professor, mas também está claro que ambos, mesmo respeitando essas diferenças, estão aprendendo – e muito. O fato é que um dos fatores que pode levar alguém a aprender é sua relação com o saber e a cultura. Só que esse intenso compartilhamento leva à demarcação de fronteiras que não são simples de traçar. Quem ensina e quem aprende?

Transmitir o saber

Elaborar essa lista é debruçar-se sobre palavras que estão vinculadas entre si. Se há na relação com o saber um deleite muito particular a ponto de alguém transformar o exercício de sua transmissão em profissão, há outros elementos que mobilizam um professor. Transmitir o saber também é um modo de transformação cultural. Desenvolver o conhecimento junto com outras pessoas não é, portanto, apenas um ponto motivador, mas também uma razão para ser docente: transformar nosso entorno. E esse exercício de transformação leva a um campo político e ético. Como tenho certeza de que aquilo que estou propondo é o melhor para minha comunidade, minha cultura, meu país?

A militância por uma transformação cultural, seja para trazer mudanças radicais, seja para consolidar valores que consideramos fundamentais, certamente é um dos fatores que faz alguém ser um profissional docente. É fato sabido que essa militância, consciente ou não, faz parte do exercício do professor, desde a escolha curricular até o tom da voz com que são abordados os conteúdos em sala de aula. As razões pedagógicas e técnicas caminham de mãos dadas com a empatia e a emoção de quem se propõe a ensinar.

Sendo assim, se de fato fizéssemos uma lista com os fatores que levam alguém a ensinar, teríamos um monte de ingredientes difíceis de elencar de forma independente. Da mesma forma, é um desafio enorme analisar o que faz um professor ou professora ser militante de suas ideias na prática didática. Em que medida os ideais transformadores devem ficar de fora de seu exercício? Isso é possível? É, inclusive, recomendável? Talvez o conhecimento caminhe de mãos dadas com um dever ético: ele deve se prestar a algo além do deleite pelo contato com a poesia, com a ciência, com a música ou com uma equação matemática.

Ofício do professor

O exercício de um ensino beligerante é inerente a muitos fatores que merecem atenção e reflexão. Não há respostas objetivas para as perguntas acima. Mas é possível determinar quais situações são mais adequadas a essa beligerância, em que medida isso é inerente ao ensino, quais configurações estimulam sua prática e quais subtraem o seu sentido. Como podemos pensar nessa condição como uma constante da profissão e em que momentos é preferível se distanciar de um ensino militante de valores que entendemos como fundamentais?

Teremos a oportunidade de refletir sobre isso na palestra “Como tratar de temas controvertidos na escola?”, de Jaume Trilla Bernet, professor convidado ao Centro de Formação da Vila, que se debruçou sobre esse âmbito tão complexo e em que tudo parece ser difícil de ser discriminado. Conseguir clareza e lucidez para essa reflexão é uma oportunidade que podemos criar, e da qual certamente sairemos mais enriquecidos.

 

Escrito por Fermín Damirdjian – Orientador Educacional do Ensino Médio na Escola da Vila

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