Por Helena A. Mendonça
Recentemente, tomamos contato com o trabalho da pesquisadora Rebecca Winthrop, por meio de uma entrevista ao podcast The Ezra Klein Show (1). Nosso interesse pelas colocações de Winthrop nos moveu a buscar o livro The Disengaged Teen: Helping Kids Learn Better, Feel Better, and Live Better (O adolescente desengajado: ajudando as crianças a aprenderem melhor, a se sentirem melhor e a viverem melhor, em tradução livre) (2), ainda não disponível no Brasil, e a organizar um encontro especialmente voltado à discussão sobre engajamento e educação.
Resumimos aqui parte do nosso percurso reflexivo.
Winthrop relata que, na pandemia, seu filho mais velho, até então engajado com os estudos, parou de participar ativamente das propostas e passou a afirmar que não faria nada que não valesse nota. Enquanto isso, seu outro filho, que tinha dificuldades no dia a dia da escola, passou a se engajar nas propostas online. Como educadora, ela não tinha clareza do porquê dessas mudanças e, em conversa com a jornalista Jenny Anderson, que via poucas publicações sobre o engajamento dos adolescentes, resolveu iniciar o projeto visando, principalmente, ao apoio às famílias e seus filhos em idade escolar. Desde então, elas conduziram uma pesquisa nos EUA e em mais 9 países, envolvendo 25.000 famílias (estudantes e responsáveis) e 6000 professores.
A partir da análise dessa escuta, as autoras reconheceram quatro perfis de estudantes, relacionados a dois conceitos centrais: engajamento e agência. O engajamento é definido como o que os jovens fazem com sua motivação, isto é, a possibilidade de as crianças e jovens encontrarem interesse no aprendizado; enquanto a motivação é o desejo interno ou o “porquê” de um estudante querer fazer algo.
O termo engajamento se apresenta, atualmente, muito relacionado à participação nas redes sociais e plataformas em geral. Esse tipo de engajamento, segundo as autoras, é mais um sequestro da atenção das crianças e a monetização do seu tempo e dos dados, e menos tornar interessante a aprendizagem de coisas novas.
O problema central é que a maioria das escolas não oferece oportunidades ou o tipo de aprendizado significativo e interessante que os alunos desejam. O que mudou é que agora eles têm algo poderoso, divertido e viciante para preencher a lacuna deixada pela escola. A tecnologia monopoliza a atenção deles e oferece uma infinidade de distrações. (ANDERSON; WINTHROP, 2025, p.13, tradução nossa)
De acordo com a pesquisa, o engajamento envolve múltiplas dimensões:
- Engajamento Comportamental: refere-se ao que os alunos fazem, como frequentar aulas, fazer o dever de casa e seguir instruções.
- Engajamento Emocional: relaciona-se ao que os alunos sentem, incluindo desfrutar da escola, sentir que pertencem e estar interessados no que estão aprendendo.
- Engajamento Cognitivo: diz respeito a como os estudantes se relacionam com as aprendizagens, se usam estratégias de autorregulação, se persistem diante de desafios e conectam o aprendizado escolar à vida cotidiana.
É importante notar que essas dimensões, embora relacionadas, nem sempre coexistem em conjunto; um aluno pode estar engajado em uma dimensão e desengajado em outra. Além disso, o desengajamento, na maioria das vezes, é o produto da interação dessa criança com o contexto e o ambiente. Se mudarmos o contexto, o engajamento pode ser afetado.
A agência é uma dimensão adicional do engajamento, que se destaca pela iniciativa que os alunos tomam visando a seu próprio aprendizado. É definida como a “contribuição construtiva do aluno para a sua aprendizagem”. Em outras palavras, a agência ocorre quando os estudantes tomam a iniciativa de criar um ambiente de aprendizagem mais interessante e favorável para si mesmos. Essa proatividade é o que diferencia a agência das outras três dimensões (comportamental, emocional e cognitiva). Em resumo, enquanto o engajamento abrange o que os alunos fazem, sentem e pensam em relação à sua motivação, a agência se refere especificamente à sua capacidade proativa de influenciar e moldar a sua própria experiência de aprendizagem.
Os 4 modos de engajamento propostos, representados graficamente a seguir, são: Resistente, Passageiro, Executor e Explorador.
No modo Passageiro, os estudantes comparecem às aulas e realizam o mínimo necessário, sem entusiasmo. Frequentemente reclamam que as aulas são inúteis ou não veem conexão com seus interesses. Muitas vezes, para eles, as propostas são muito fáceis ou muito desafiantes – ou fora da ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal). Um exemplo citado no livro é o de uma aluna que participa, faz as tarefas, mas não demonstra interesse pelos temas abordados, ficando na ‘zona do mínimo esforço’. O modo Passageiro indica baixa agência e pouco engajamento nas propostas escolares.
No modo Resistente, os estudantes influenciam as dinâmicas de aula, na maioria das vezes de maneira não construtiva para as aprendizagens. São estudantes que explicitam sua falta de conexão com a escola, ignoram tarefas, faltam ou têm comportamentos disruptivos. Um exemplo citado pelas autoras é o de um aluno que constantemente se recusa a fazer tarefas e demonstra desdém pelas atividades, frequentemente mascarando sentimentos de inadequação ou invisibilidade. O modo Resistente indica alta agência e pouco engajamento nas atividades.
No modo Executor, os estudantes estão ativamente engajados, comportamental e cognitivamente, e se concentram em responder ao que é pedido. A essência do modo executor é um aluno que parece estar muito engajado devido ao seu desempenho e esforço, mas cuja motivação está fortemente ligada a recompensas externas e a evitar o fracasso, e não necessariamente a uma conexão com a aprendizagem. As autoras sugerem que as escolas e as famílias ajudem esses alunos a encontrar significado na jornada e a ser mais resilientes, em vez de apenas perseguir notas. Um exemplo do livro é um aluno com notas altas que, ao menor deslize, sente ansiedade intensa, pois sua identidade está vinculada ao sucesso acadêmico. O modo Executor indica alto engajamento, mas pouca agência nas propostas.
No modo Explorador, os estudantes estão engajados comportamental, emocional, cognitivamente e atuam com agência. Eles participam e se esforçam, mas também buscam ativamente maneiras de tornar suas experiências de aprendizado mais significativas, relevantes e interessantes. Os estudantes no modo Explorador são resilientes e motivados pela curiosidade própria. Eles fazem perguntas, perseguem interesses, conectam as aprendizagens à vida e persistem diante de desafios. O modo Explorador indica alto engajamento e alta agência na relação com às atividades escolares.
As autoras enfatizam que os modos não são fixos – um aluno pode alternar entre eles conforme o contexto, a disciplina e as tarefas que são propostas. O objetivo é que os professores, reconhecendo essas nuances, possam construir pontes entre as experiências dos alunos cujos perfis se caracterizam predominantemente pelos modos Resistente, Passageiro ou Executor e a experiência mais plena do perfil Explorador. Isso pode ocorrer por meio de escuta ativa, autonomia e personalização das experiências de aprendizagem. No livro, essas possibilidades de atuação dos professores são ampliadas e discutidas a partir da observação de estudantes.
Além dos modos de engajamento, as autoras também propõem uma reflexão sobre a “guerra” das famílias e escolas com as telas e as tecnologias digitais em geral. A proposta é favorecer um engajamento real e promover vínculos fortes com as aprendizagens. Sendo assim, elas propõem que a relação com o digital seja construída a partir da informação e ação, e não a partir do medo e proibição. Considerar a classificação indicativa das plataformas, a maturidade das crianças e jovens, a qualidade da relação pais e filhos; ter atenção à qualidade de sono e ao tempo que as crianças e jovens passam sozinhos em frente às telas são práticas desejadas.
Além disso, é proposta a atuação frente aos desafios e impactos negativos da desorganização tecnológica. As autoras refletem sobre como o uso desordenado da tecnologia pode levar a desengajamento intenso, apatia e isolamento. O impacto na saúde é significativo: menos horas de sono, aumento da ansiedade e comportamentos antissociais. Notificações constantes podem causar o “medo de ficar de fora” (FOMO ou Fear Of Missing Out), levando a checagens incessantes e à redução do sono. Há também uma ligação com problemas mais sérios de saúde mental, incluindo depressão, automutilação e tentativas de suicídio. Um ponto crucial é o modelo de negócios das empresas de tecnologia: as plataformas são projetadas para monetizar o engajamento, incentivando o uso contínuo e, por vezes, viciante. Isso causa a “desorganização tecnológica” que rouba a atenção e o tempo.
São sugeridas diversas estratégias voltadas para a promoção de um uso mais consciente e intencional do digital, entre elas:
– definir limites e apoiar a construção da autonomia;
– rever a relação da escola e dos familiares com o digital, considerando que as famílias e as escolas devem ser modelo de comportamento;
– crianças e jovens precisam ter consciência sobre a monetização e o modelo de negócios das plataformas, além de refletirem sobre “Tempo Escolhido” vs. “Tempo Perdido”;
– as crianças devem usar a tecnologia com propósito, pois ela é uma ferramenta poderosa para aprendizagem; essa relação precisa priorizar e favorecer a conexão humana;
– as tecnologias devem ser usadas para complementar, não substituir as interações face a face;
– a importância do sono e da desconexão para a saúde física e mental é ressaltada, visto que o uso excessivo de telas frequentemente os compromete. É fundamental garantir os momentos de desconexão.
Por fim, a mensagem central das autoras é fomentar o equilíbrio e a autorreflexão através do desenvolvimento de habilidades de autorregulação sobre o uso da tecnologia. No entanto, é impossível não considerar os mecanismos de engajamento (ou de sequestro da atenção e do tempo), os padrões de design enganosos que estruturam as principais plataformas e redes sociais, e a sedução das telas pequenas e individuais. O movimento precisa ser coletivo e levar em consideração a maior vulnerabilidade de crianças e jovens.
Com o objetivo de conscientização e de interação criteriosa com o digital, precisamos seguir oferecendo espaços voltados para o engajamento real com os saberes e para um equilíbrio saudável na difícil relação com as telas.
As contribuições de Andersen e Winthrop lançam elementos interessantes para nossos estudos nas áreas de Educação Digital e Convivência e Formação Moral e Ética. Estamos na expectativa de que o livro chegue em breve ao mercado brasileiro, para que possamos abrir espaços de diálogo sobre ele com educadores e familiares da nossa comunidade educativa.
(1) THE EZRA KLEIN SHOW. Educating Kids in the Age of A.I. YouTube, 13 maio 2025. 1h07min53s. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HQQtaWgIQmE. Acesso em: 7 ago. 2025.
(2) ANDERSON, Jenny; WINTHROP, Rebecca. The Disengaged Teen: Helping Kids Learn Better, Feel Better, and Live Better. Disponível em: https://www.thedisengagedteen.com/. Acesso em: 7 ago. 2025.