por Fernando Cardoso – Coordenador e Orientador na Escola Viva
“Três Gerações
Por vezes, sem ter o que fazer, teorizava sobre as pessoas e as classificara em três tipos, associado às instâncias do tempo.
As pessoas-ontem (os avós, os pais) se misturam, no mesmo espaço-tempo da realidade (e também do sonho), com as pessoas-hoje (ele e outros velhos) e, igualmente, com as pessoas-amanhã (os filhos) e, assim, estão todos, queiram ou não, fazendo e refazendo o mundo – às vezes de forma amena, às vezes bruta.
Porque as pessoas-ontem, embora vivam o agora, são regidas pelas forças do passado; as pessoas-hoje, apesar de terem memórias, são impelidas pela urgência do presente; as pessoas-amanhã, envoltas na névoa da incerteza, são movidas pelo sol futuro – e não há como escapar dessa profaníssima trindade.
Porque as pessoas-ontem tentam, com as unhas sangrando, conservar seus monumentos; as pessoas-hoje, sob o impulso inevitável da transformação, lançam-se, com marretas, para demolir as torres antigas; as pessoas-amanhã, a passos hesitantes, buscam abrir, entre as ruínas do que restou de pé, caminhos até então intransponíveis.”
(João Anzanello Carrascoza – O Céu Implacável, 2023)
É comum ouvir as pessoas, com saudosismo ou perplexidade, comentarem sobre as transformações que marcaram os últimos anos em diversas esferas da vida: nas formas de se comunicar, de se relacionar, de brincar, de se alimentar, de estudar e até de viver.
Essas mudanças não apenas alteraram hábitos cotidianos, mas também desafiaram valores e estruturas que antes pareciam inquestionáveis. Essas transformações não se limitam a aspectos individuais ou comportamentais; elas reconfiguram estruturas sociais inteiras, e poucas mudanças são tão emblemáticas quanto aquelas que envolvem a constituição familiar.
Ah, mas no meu tempo era diferente!
Será?
Já não é de hoje que convivemos com uma ampla diversidade de arranjos familiares, existem famílias com dois provedores financeiros, famílias monoparentais, casais do mesmo sexo, famílias multirraciais que celebram a mistura de heranças culturais, famílias ampliadas com a inclusão de madrastas, padrastos e meios-irmãos, além de casos em que pessoas se tornam pais ou mães em idades avançadas, enquanto outras iniciam uma segunda família na meia-idade, entre outras infinitas possibilidades…
Cada uma dessas configurações traz novas dinâmicas e desafios, confrontando o modelo tradicional de família que predominou por tanto tempo em nossa sociedade. Ao mesmo tempo, tais mudanças oferecem oportunidades de enriquecer as experiências de convivência, ampliando o conceito de pertencimento, de escolha, reconhecendo que famílias não se limitam apenas a laços biológicos, mas incluem também vínculos emocionais que promovem maior inclusão e diversidade.
Essas transformações têm um impacto profundo na educação de crianças e jovens. É inegável que as relações familiares influenciam diretamente na formação integral dos estudantes, e muitas vezes pais e mães (indivíduos responsáveis pela formação de alguém, e não apenas os pais e mães biológicos) veem-se sem referências claras sobre como educar seus filhos e filhas em um contexto tão complexo e diferente daquele em que foram criados.
Na prática, isso significa que as escolas não podem mais se limitar a transmitir conhecimentos. É preciso desenvolver habilidades e competências que garantam uma aprendizagem contínua, além de valores, atitudes e competências fundamentais para uma convivência respeitosa, ética e inclusiva que envolva as múltiplas dimensões do desenvolvimento humano.
“É preciso uma aldeia para se educar uma criança” (provérbio africano)
A relação próxima e de parceria entre escola e família, portanto, torna-se cada vez mais indispensável. A educação de qualidade não é responsabilidade isolada das escolas e nem das famílias, mas, sim, fruto de um esforço colaborativo, em que ambas compartilham objetivos e intencionalidades comuns.
Ou seja, as famílias precisam reconhecer o papel fundamental da escola como parceira na formação de seus filhos e filhas. Já a participação das famílias nas atividades escolares deve ser ativa, afinal quando a escola e a família trabalham em harmonia, a criança ou o jovem percebem essa sintonia e se sentem apoiados em todas as dimensões de seu desenvolvimento e da sua formação.
Assim, a educação contemporânea exige parceria e colaboração. Não se trata apenas de dividir responsabilidades, mas de integrar esforços para formar cidadãos conscientes, éticos e preparados para os desafios do futuro.
A relação entre escola e família é, sem dúvida, muito mais do que uma necessidade; é a base para um processo educativo transformador, inclusivo e conectado com as necessidades do presente e as possibilidades do futuro e certamente envolve as “pessoas-ontem, pessoas-hoje e pessoas-amanhã”.
Ao enfrentar juntos as complexidades do mundo atual, escolas e famílias têm a oportunidade de formar não apenas indivíduos responsáveis, críticos, conscientes e atuantes, mas também uma sociedade mais justa, colaborativa e humana.
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