por Lilian Ceile
Explicar na aula de matemática! Que as crianças expliquem! Que argumentem! Que possam relacionar as razões que validam seus procedimentos, seus resultados, suas hipóteses. Que se encontrem com os fundamentos do trabalho que realizam. Que averiguem a lógica interna das situações às quais são convocadas. Que toquem a raiz. Que se sintam com capacidade — com liberdade, com autoridade — para intervir sobre o conhecimento. (Sadovsky, 2010) 1
Quando conversamos com colegas sobre a forma como aprenderam multiplicação e divisão, costumamos ouvir relatos sobre a resolução de cálculos (geralmente a “conta armada”) e das tabuadas como foco central. As situações de repetição e memorização, muitas vezes, destituídas de compreensão sobre o que se realizava, tendem a ser frequentes. Foi assim em determinado momento, e tais práticas se relacionam a seu contexto, mas e hoje?
Há algum tempo, entendemos que treino e memorização são insuficientes para o que “a sociedade espera de nós”…
Desde o final do século XX, educadores passaram a investigar maneiras de ensinar Matemática que promovessem a compreensão conceitual, colocando o foco nas situações de resolução de problemas que desafiem as crianças a explorar relações matemáticas e desenvolver estratégias próprias.
Passamos a nos preocupar com a produção do sentido que se atribui ao que se aprende, e isso exige reformular o ensino em busca de favorecer essa construção na aprendizagem da Matemática, enfatizando a interação entre os conhecimentos do aluno, o tipo de tarefas propostas e o contexto em que a aprendizagem ocorre.
Na multiplicação e na divisão, a construção do sentido dos conhecimentos envolve diferentes aspectos, entre eles, reconhecer o conjunto de problemas que resolvem (ou que podem resolver), uma variedade de procedimentos de resolução, uma variedade de estratégias e cálculos (incluindo cálculos mentais e estimativas) e o estudo de suas propriedades.
O olhar para o que se deseja que as(os) estudantes aprendam amplia-se trazendo desafios importantes para as escolas, inclusive da perspectiva curricular: se aprender a multiplicar e a dividir não é aprender exclusivamente a calcular, o que é? O que esperamos que as crianças dos Anos Iniciais aprendam ao longo deste segmento da escolaridade? E também, de que forma queremos que aprendam?
O campo teórico, desenvolvido por autores como Guy Brousseau, nos apresenta ao conceito de situação didática, em que o aluno é colocado diante de problemas que exigem mobilizar e reorganizar seus conhecimentos. O processo de aprendizagem é visto como ativo e dinâmico, e os significados constroem-se ao buscar soluções para problemas contextualizados.
Nessa perspectiva, as crianças resolvem problemas “de multiplicação e de divisão” a partir de suas experiências, de suas ideias, de seus saberes, antes mesmo que dominem estratégias convencionais para esses cálculos (os algoritmos), como se observa nos exemplos abaixo.
Incentivadas a acreditar em suas ideias e em suas possibilidades, as crianças resolvem problemas arriscando-se “a ter ideias” e a partir dos conhecimentos disponíveis. Essas resoluções são diversas e explicitam como são diferentes os saberes dentro de um mesmo grupo. Lembrando que este é um pequeno recorte. Em uma turma costuma haver uma variedade ainda maior de soluções, incluindo os erros que podem configurar-se como importante fonte de aprendizagem.
Gerenciar, em aula, situações em que as resoluções são tão diferentes traz implicações importantes para a atuação docente: como interpretar essas produções? Que saberes elas evidenciam? Como conectar estas produções – e os saberes que representam – àquilo que se deseja que aprendam? Com quais tipos de propostas? São decisões fundamentais e que exigem recuperar o papel da(o) docente como profissional que atua intelectualmente, que analisa a sua prática, que toma decisões considerando todas as informações disponíveis para também resolver um problema: como conduzir os processos de ensino e de aprendizagem deste grupo, que apresenta essas produções?
Neste enfoque de ensino, docentes atuam planejando e propondo situações que incentivam as crianças a explicar, justificar e debater as suas respostas e a dos colegas, buscando analisá-las e fundamentá-las. Valorizam a investigação, a experimentação e o questionamento; organizam situações que provoquem reflexão e promovam avanços no raciocínio matemático.
Hoje sabemos que a construção dos conceitos fundamentais que envolvem a multiplicação e a divisão é complexa e se dá ao longo de vários anos. É necessário incorporar nas situações de ensino a diversidade de situações que envolvem esses conceitos e garantir um aprofundamento crescente no tipo de situações que são propostas ao longo da escolaridade, valorizando a articulação entre a teoria e a prática, incentivando a compreensão das ideias matemáticas envolvidas, buscando que a Matemática possa ser compreendida como ciência e como ferramenta para compreender e interagir com o mundo.
Essas e outras questões serão discutidas no curso: Ensinar e aprender multiplicação e divisão: desafios e propostas do Centro de Formação da Vila.
Referência:
1 – Sadovsky, P. (2010). Explicar en la clase de Matemáticas, un desafío que los niños enfrentan con placer. Escola da Vila, 30 olhares para o futuro, 233-241.
Confira a Programação de Verão 2025 do Centro de Formação da Vila.