Revisar para aprender: quais estratégias podemos adotar para lidar com a diversidade da escrita na escola?

por Beatriz Mugnani e Stella Garib

Em sua obra Pensamento e Linguagem (1934), Vygotsky formula uma questão muito importante a respeito do ato de escrever: 

“Por que a escrita se torna algo tão difícil para o estudante a ponto de, em determinados períodos, haver um atraso de 6 ou 8 anos entre a sua “idade linguística” de fala e a de escrita? Isso foi explicado dizendo-se que se deve à novidade da escrita: uma nova função deve repetir as etapas evolutivas da linguagem e, por essa razão, a escrita de uma criança de oito anos se assemelha à linguagem de uma de dois. Essa explicação é, sob todos os aspectos, insuficiente.”

Por mais que as hipóteses a respeito dessa pergunta sejam insuficientes, como o próprio autor coloca, a partir dessa reflexão, nós, professoras e professores, podemos retirar algumas ideias importantes para analisar as dificuldades enfrentadas por nossos estudantes durante os momentos em que são convidados a escrever. Primeiramente, a de que a escrita é uma atividade altamente complexa e desafiadora, sendo inclusive apropriada, tipicamente, após a oralização. Além disso, por mais que seja quase impossível separar as destrezas de leitura e de escrita, essas são habilidades distintas em suas especificidades e, portanto, as competências leitoras não se transferem, simples e automaticamente, à escrita (Teodoro Álvarez Angulo, 2010).

Partindo dessas ideias, vamos voltar os olhos à realidade da sala de aula: crianças do 6º ano são convocadas a produzir, por exemplo, fábulas autorais. Desde o momento do planejamento individual até o início da textualização, notamos a heterogeneidade e diversidade existentes entre a turma. Após o texto escrito, em sua primeira versão, notamos diversidade ainda maior. 

Um grupo de estudantes escreve uma narrativa que não encaminha de fato a moral escolhida, apesar de muitas das crianças deste mesmo grupo terem conseguido muito bem, nas aulas em que estavam lendo diversas fábulas, explicitar a relação entre as narrativas lidas e as suas lições transmitidas aos leitores.

Já um outro grupo grande de estudantes produz uma fábula com problemas de coerência interna, em que, por exemplo, a águia – animal sagaz e inteligente – é facilmente enganada por seu oponente ou, então, em que uma formiga consegue, sozinha, derrotar um lobo. 

Há ainda um grupo que escreve um texto excessivamente breve, sem desenvolver o conflito entre as personagens. Os problemas textuais, inclusive, quase não aparecem – a ponto de que esses estudantes poderiam dizer “Já revisamos pontuação e ortografia, não há mais o que alterar em nossa fábula”. 

Duas ou três crianças, por sua vez, elaboram uma narrativa com todas as etapas formais da estrutura do gênero, evidenciando preocupação com a linguagem literária, e a moral e escolha de personagens são absolutamente adequadas. 

Nesse cenário – um tanto imaginado, um tanto baseado no que cotidianamente observamos em sala – ainda poderíamos notar diversos outros desafios de escrita e observar, inclusive, grupos diferentes desses que foram mencionados. 

Como encaminhar, então, o processo de escrita (que constitui o momento de planejamento, textualização, revisão e edição), levando em consideração a heterogeneidade de produções textuais e os desafios que as crianças encontraram em uma mesma proposta? Como fazer com que as crianças avancem dentro de seus próprios processos de aprendizagem, para que se tornem, cada vez mais, escritores autônomos e críticos, conscientes dos destinatários, da situação comunicativa e dos seus objetivos como escritores?  

A revisão diversificada – em que cada grupo de crianças terá objetivos diferentes em relação a sua análise e revisão textual – é uma estratégia didática que pode e deve auxiliar nossos alunos e alunas a avançarem como escritores e leitores. Ao compreendermos a revisão como um problema didático (Mirta Castedo, 2004), e que os estudantes devem ser considerados autores, levar em consideração seus questionamentos e dificuldades é muito relevante, já que é uma situação que pode favorecer ou não a construção e reconstrução de seus saberes sobre as práticas sociais de leitura e escrita. 

Já sabemos que encontramos uma grande diversidade de saberes dentro da sala de aula. Porém, para assumirmos a diversidade como um valor dentro da instituição escolar, é preciso que criemos condições didáticas e curriculares que sustentem a heterogeneidade de saberes, não com o objetivo de diminuir a diferença de saberes entre as crianças, mas sim para que tenhamos condições de fazer com que todas as alunas e alunos avancem em seus processos de aprendizagem. Para isso, será necessário analisar quais são as propostas de produções textuais que oferecemos aos estudantes, quais os possíveis desafios em cada uma delas e quais são os caminhos que podem ser trilhados durante momentos específicos de sequências e projetos, refletindo sobre a progressão das competências escritoras e leitoras em um mesmo ciclo.  

Essas e outras questões serão discutidas no curso “Da textualização à versão final: práticas diversificadas de revisão textual” do Centro de Formação da Vila.

 

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