[1] Laís Oliveira
Quando tratamos dos desafios relativos ao ensino e aprendizagem dos números e do sistema de numeração, algumas questões recorrentes costumam ocupar os espaços de formação docente, as reuniões pedagógicas e as supervisões na área de Matemática.
O presente texto pretende tratar duas dessas questões, visando trazer subsídios para que os docentes possam aprofundar, em situações de estudo, a reflexão sobre o tema. Trata-se dos questionamentos: como organizar as sequências de ensino? Propondo atividades na ordem da sequência numérica? O trabalho com material concreto é favorável ao ensino dos números?
Para começar a discorrer sobre o assunto é necessário compreender como as crianças aprendem. Para tanto, temos que considerar que o sistema de numeração é um produto cultural de uso social cotidiano, o que faz com que as crianças estejam em contato com números de diversas grandezas no seu dia a dia e, com isso, elaborem indagações e hipóteses sobre seu funcionamento. É a partir dessas hipóteses que devemos organizar as propostas de ensino.
Investigações no campo da aprendizagem do sistema de numeração decimal evidenciam que as crianças elaboram conceitualizações a respeito da escrita dos números baseando-se nos “nós” (dezenas, centenas, unidades de milhar… exatas) e na numeração falada. Portanto, é necessário questionar algumas organizações curriculares que propõem o ensino do sistema na ordem da sequência numérica: no 1o ano, só se trabalha com números de 2 algarismos; no 2o ano, com 3 algarismos e assim por diante… Se as crianças não aprendem os números na ordem da sequência numérica, não faz sentido que o ensino se organize dessa maneira.
Além disso, também temos que ter em conta que uma das regularidades do sistema de numeração, quando tratamos de números naturais, é a relação entre a quantidade de algarismos e sua grandeza: quanto mais algarismo tem um número, maior ele é. Se em determinada série só trabalhamos com números com a mesma quantidade de algarismos, como as crianças vão elaborar essa regularidade? Claro que vale evidenciar que não esperamos que as crianças já consigam, no 1o ano, escrever e ler números da classe dos milhões, bilhões. Não é disso que se trata, quando pensamos na leitura e escrita dos números de maneira convencional, o currículo pode definir objetivos de aprendizagens em torno da quantidade de algarismos. No entanto, é preciso trabalhar com números de diversas grandezas em todas as séries.
Outro ponto que devemos entender é que na elaboração de critérios para produzir escritas numéricas, o conflito entre a numeração falada e escrita é frequente. Uma criança de 1o ano quando vai escrever o número 23, pode escrever 203, pois se pauta na numeração falada “vinte E três”. Essa explicita as operações aritméticas (adição e multiplicação) presentes na composição do número (23= 20 +3), enquanto a numeração escrita esconde esses cálculos.
Para resolver essas questões e hipóteses elaboradas pelas crianças, os professores e professoras costumam lançar mão de recursos, entre eles, o material dourado, segundo ponto de discussão desse texto. Para refletir sobre seu uso é necessário ampliar a discussão sobre o uso de materiais concretos no ensino e aprendizagem.
Primeiramente, é importante compreender que a introdução do uso de materiais concretos, nas situações de ensino, vem de uma leitura equivocada da teoria construtivista, que defende que as crianças aprendem em ação. No entanto, aprender em ação, para essa teoria, significa agir intelectualmente a partir de um problema, aprender diante de desafios cognitivos. Não se trata de manipular objetos materiais. As crianças não aprendem mais porque manipulam materiais, mas porque resolvem problemas.
Além disso, também há que se questionar a relação que se estabelece entre os materiais que se escolhe e o objeto de ensino em questão. Muitos desses materiais distorcem, mudam o objeto de ensino. Como é o caso do material dourado. Enquanto nosso sistema de numeração é posicional (com 10 algarismos organizados em distintas posições, representamos infinitos números), o material dourado apresenta um sistema aditivo (não importa a ordem em que se colocam as peças). O grande desafio para que as crianças aprendam nosso sistema está na posição e nas operações que ela esconde: entender que 34 é 3 x 10 + 4 não é simples. O material dourado explicita a quantidade de algarismos em cada uma das peças, sem importar as posições. Portanto usamos um sistema para tentar ensinar outro.
[2] Lerner e Sadovsky (1996), em investigação sobre ensino e aprendizagem dos números, afirmam que para se apropriar do sistema de numeração, as crianças precisam ser levadas, nas situações de ensino, a realizar 4 atividades básicas: ler, escrever, ordenar e calcular usando números. Através dessas propostas podemos percorrer o seguinte percurso: do uso dos números às indagações e levantamento de hipóteses; das indagações e levantamento de hipóteses às reflexões; das reflexões à busca de regularidades! Percurso esse que se faz em torno de um trabalho pautado na resolução de problemas, promovendo uma aprendizagem com sentido.
A nós, professoras e professores, resta seguir buscando nos aproximar das investigações e reflexões sobre a aprendizagem e ensino dos conteúdos matemáticos para tentarmos responder aos desafios de encontrar estratégias didáticas para ensinar os números.
[1] Laís Oliveira é Formadora do Centro de Formação da Vila.
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.
[2] Lerner, D e Sadovsky, P. O sistema de numeração: um problema didático. In: Parra, C e Saiz, I. Didática da Matemática. Reflexões Pedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.