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Entre o remendar e o tecer: escola e famílias juntas por uma educação antirracista

Dia 25 de maio de 2020 ficou marcado para sempre na história como o dia do assassinato brutal de George Floyd, homem negro morto por asfixia nas mãos (e sob os joelhos) de um policial branco, em Minneapolis, Estados Unidos. “Não consigo respirar”, frase repetida por ele diversas vezes antes de morrer, virou símbolo de resistência da luta antirracista em todo o mundo. O episódio despertou o debate público, que de lá para cá passou a colocar na agenda do dia a necessidade de enfrentar o racismo de modo mais contundente.

Educação antirracista

Além dos protestos de rua em diferentes países, os noticiários, jornais e redes sociais foram tomados pelo assunto, que acabou servindo como propulsão para a discussão das várias dimensões da desigualdade racial, que histórica e estruturalmente estão na base de nossa sociedade. Nas escolas, não foi diferente: muitos alunos e alunas, de diferentes idades, reivindicaram espaço na rotina escolar para discutir o assunto. Naquele momento, ainda no início da pandemia, a saída foi organizar atividades online. Como resultado, formaram-se coletivos e comitês antirracistas, envolvendo estudantes, educadores e famílias.

No entanto, é importante lembrar que a luta antirracista não nasceu em 2020. Muito pelo contrário, se hoje já não há como não falar dela, é porque os movimentos negros têm uma longa trajetória de resistência que, assim como a história do racismo, precisa ser conhecida. E a escola, como o primeiro ambiente de socialização das crianças, desempenha um papel fundamental nesse processo.

Clarissa Brito, psicopedagoga da Escola Parque, destacou em sua palestra uma série de posturas necessárias de serem tomadas pelas escolas e famílias para a construção de uma cultura antirracista, sem a qual não há educação verdadeiramente transformadora. Sonhar com um futuro melhor pressupõe agir no presente, com a urgência que o tema exige.

Como bem pontuou Clarissa, além da escola ser a instituição em que passamos mais tempo de nossas vidas, é nela que vivemos grande parte das experiências que contribuem para a formação de nossos valores éticos e morais. Se queremos que as novas gerações cresçam em uma sociedade outra, com melhores condições e oportunidades para todos, é preciso que estejamos comprometidos com uma nova maneira de estar no mundo e de construir relações.

Construção de novas práticas e dinâmicas escolares

Remendar o presente e tecer um outro futuro são, então, acordos éticos que necessitam ser feitos entre família e escola quando se trata do processo de desenvolvimento de um ser humano, não só em termos intelectuais, mas também sociais, culturais, emocionais etc. E, para isso, é preciso desconstruir e reconstruir muitos dos pressupostos que sustentam a escola e que, como parte constitutiva da sociedade, durante muito tempo tiveram o objetivo de perpetuar e aprofundar o racismo, inclusive o científico.

Nesse sentido, é impossível não lembrar que em 2023 a Lei nº 10.639 completará 20 anos e, ainda assim, não é devidamente conhecida e colocada em prática pelos educadores e educadoras. Atualizada em 2008 pela Lei 11.645, ela torna obrigatório o ensino da História e da Cultura africana, afro-brasileira e indígena no Brasil. No entanto, em geral o que vemos são iniciativas curriculares tímidas, pontuais e insuficientes para de fato pensar e abrir espaço aos corpos e às histórias negras dentro das escolas.

Ou seja, é preciso que haja intencionalidade na construção de novas práticas e dinâmicas escolares que contraponham-se à sua própria tradição, até o presente responsável pela reprodução do racismo. Nas palavras de Clarissa, isso representa “remar contra a maré”; estar sempre comprometido com o acordo vigilante e o desejo incessante de forjar novas narrativas sobre o povo negro – que, diga-se de passagem, forma a maioria da população brasileira, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Conviver com a diversidade

Realizar este pacto significa, por sua vez, não apenas combater o racismo, mas também agir na prevenção de sua mentalidade. Quanto mais e mais cedo os estudantes tiverem acesso a diferentes referências étnico-raciais, que evidenciem nossa afro-brasilidade, que ressignifiquem o olhar sobre África e que os ajudem a repensar a forma como encaramos a representatividade, mais eles poderão romper silêncios e redesenhar suas experiências escolares, com base na cultura antirracista.

É importante ressaltar que isso, sem dúvida, beneficia as crianças e jovens negros, que ganham a chance de conhecer melhor a própria história e desenvolver autoestima, curando fissuras subjetivas e permitindo novas trocas afetivas, mas também é extremamente positivo para as crianças e jovens brancos, que têm a possibilidade de crescer em uma ambiente mais diverso, cujo os ganhos são amplamente conhecidos do ponto de vista pedagógico. Conviver com a diversidade, desde sempre, é essencial para a formação de humanos mais empáticos, respeitosos, curiosos e criativos. Isto é, contribui para o bem-estar de todos e todas.

Para tanto, não basta somente adotar um livro que tenha um ou outro personagem preto, nem tampouco ensinar a história da escravidão no Brasil. Uma educação antirracista efetiva demanda a criação de estratégias didáticas que propositalmente revertam a estigmatização dos negros e negras na sociedade, não apenas na literatura e nas artes, mas também na matemática, na química, na física, nos esportes, na língua inglesa e por aí vai. Demanda, igualmente, repensar a escola em todas as suas dimensões: do currículo, dos ambientes, do corpo docente, dos funcionários administrativos, das campanhas publicitárias…

Todos em prol da luta antirracista

Assim Clarissa convida a todos nós, escolas e famílias, a comprometer-se com o manifesto proposto por Sueli Carneiro: “não em meu nome!”. Não é mais possível consentir com os mecanismos que fazem hoje do nosso país um dos mais violentos para a população negra. Cada sujeito, de seu próprio lugar na sociedade, deve compreender seu papel na luta antirracista, independente da cor da pele. Não há receita para que isso dê certo, apenas uma exigência: agir com urgência.

 

Escrito por Bianca Laurino – Equipe de Comunicação da Bahema Educação
Os textos aqui publicados não refletem, necessariamente, a opinião do Centro de Formação.

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