A implantação do Novo Ensino Médio, com força de lei, prevista para ser realizada progressivamente a partir de 2022 tem mobilizado as escolas. Ainda que os caminhos possíveis sejam diversos, o percurso anterior de cada instituição escolar circunscreve o campo de transformações factíveis e adequadas a seus projetos educacionais.
Publicado originalmente em Nexo Jornal, no dia 16 de janeiro de 2022.
As escolas voltadas exclusivamente para os resultados de aprovação nos exames de acesso ao ensino superior, por exemplo, vivem um dilema: por um lado, as diretrizes apontam para uma escola mais flexível, com mais escolha por parte do aluno, com um diálogo mais direto com a realidade e voltado especificamente para o desenvolvimento de competências para a vida; por outro lado, as instituições de ensino superior, notadamente a Universidade de São Paulo, não mostram tendência de mudança em seus processos seletivos, que cobram o conhecimento de inúmeros fatos, conceitos e teorias disciplinares. O mesmo acontece com o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que nasceu para verificar as competências dos estudantes, mas acabou migrando para uma prova conteudística com enunciados complexos.
Portanto, se as escolas mudam demais, atendendo de forma corajosa e ousada às diretrizes da reforma do segmento, elas não vão manter seus índices de aprovação elevados, como estão acostumadas. Se elas mudam pouco, e se restringem à letra da lei, reorganizando os conteúdos de sempre em frentes de trabalho com novos nomes, colocando roupa nova no currículo antigo, talvez resolvam seus problemas a curto prazo. Mas estarão perdendo o bonde da história.
Transformação do Ensino Médio
O que o Novo Ensino Médio preconiza não é apenas uma reorganização, e sim uma mudança importante demandada há anos pelos educadores. Uma transformação que deixe o currículo menos parecido com uma enciclopédia e mais voltado para as habilidades do século 21, como se convencionou chamar as novas competências para a vida no complexo mundo de hoje.
Não se trata então de se construir itinerários que absorvam as sequências de conteúdos tradicionais acrescidos de uma programação paralela com uma profusão de disciplinas eletivas que oferecem da culinária ao skate, passando pela yoga e pela programação. As disciplinas eletivas não deveriam estar soltas, sem a devida articulação com as trilhas de aprendizagem pensadas para compor os itinerários.
Já as escolas cujos currículos demonstram, além das preocupações com o ingresso no ensino superior, outras ênfases, tais como a continuidade dos estudos acadêmicos e a formação para a cidadania plena, consciente e crítica, os desafios para a construção de seus projetos para o Novo Ensino Médio são outros.
Estas escolas, que entendem, há algum tempo, que as problemáticas globais não se encaixam em uma ou outra disciplina do currículo clássico e são fundamentais para dar sentido ao aprendizado do jovem contemporâneo, já vêm de uma trajetória rica de inserção progressiva de conteúdos temáticos ou transversais, desafiadores para os professores, mas relevantes para a formação básica. Em sua maioria, são as escolas de base sócio-construtivista as que já possuem em sua base curricular um mosaico de instrumentos e dispositivos voltados à essa formação abrangente.
Reforma do Ensino Médio
Para estas, o trabalho do momento é fazer uma análise deste repertório à luz da proposta da reforma do Ensino Médio. Um esforço concentrado para formular critérios que ajudem a trazer para o currículo formal os dispositivos que antes eram ofertados de forma difusa. Propostas antes complementares, realizadas no contraturno ou em semanas especiais, passaram a ter outro status e migram para o currículo formal, compondo as trilhas ou a área de Projeto de Vida.
A oportunidade de transformação para estas escolas não reside na inovação propriamente dita, nem mesmo nos aspectos metodológicos, uma vez que estas escolas já foram construídas com base nos atuais princípios e diretrizes das principais reformas educacionais no mundo. Trata-se de dar um novo passo no sentido da organização do trabalho pedagógico que não se apoie nas bases anteriores, de grades horárias iguais, trimestres similares, sequenciação rígida e os mesmos processos de avaliação para todos.
A organização do conhecimento deve migrar, necessariamente, para a lógica das áreas e não das disciplinas, o que rompe com a tradição do segmento e demanda processos de formação de professores mais intensos.
As ações voltadas para a construção de um projeto de vida devem ser revisitadas e incorporadas também às disciplinas tradicionais. Pensar sua vida futura, implica, para o jovem, um percurso longo, que se dá a partir da contribuição de diversos dispositivos educacionais. Se todos os educadores da escola compreendem isso, o futuro – distante na perspectiva do jovem – se aproxima de seu cotidiano e deixa de ser apenas um discurso ameaçador para incentivá-lo ao esforço no presente. E o adolescente pode assim sair da moratória social, que adia completamente sua entrada na vida adulta, e pode passar a ser, além de protagonista nas atividades escolares, protagonista de sua própria história.
Participação da sociedade
Os próximos três anos serão de implantação progressiva dessas mudanças e nos mostrarão em que medida estas transformações responderão adequadamente às necessidades formativas dos estudantes. No entanto, as escolas não podem ser as únicas responsáveis por estas transformações. É necessário que as universidades respondam com processos seletivos mais alinhados a estas propostas e é preciso informar constantemente às famílias e à sociedade sobre estes novos requerimentos e diretrizes educacionais para que não haja uma força de resistência às inovações.
Escrito por Sonia Barreira – educadora há 40 anos, fundadora da Escola da Vila e diretora pedagógica da Bahema Educação
Divino Marroquini
Creio que a universidade, além dos ajustes em seus processos seletivos, poderia voltar sua pesquisa na área educacional, em parte, para os desafios que a reforma coloca nos diferentes âmbitos: compasso entre conteúdos e competências, materiais didáticos, formação de professores, confluências e divergências entre as redes de ensino…