Quando pensamos em incluir as práticas de linguagem em meios digitais no currículo escolar, alguns fantasmas nos rondam. Um deles é a nossa percepção de que os estudantes já têm muita experiência nos meios digitais: acompanham canais de youtubers (e às vezes, criam os próprios), jogam online, têm perfis em redes sociais e se atualizam sobre seu time do coração em aplicativos de notícias, entre tantas outras práticas arraigadas no dia-a-dia de todos nós.
Entendendo os meios digitais
Ora, se os jovens já têm tanta experiência assim com os meios digitais, para que precisamos trazê-los para dentro da escola, para que precisamos ensinar? Percebemos, inclusive, que muitas vezes, nossos alunos são usuários mais experientes do que nós mesmos. Daí advém um outro fantasma, que é na verdade um grande desafio para os educadores: nesse mundo dos meios digitais, tudo muda muito rápido e parece impossível acompanhar todas as práticas e novos gêneros que surgem em velocidade impressionante. Como vamos, então, ensinar algo que não dominamos tão bem quanto os gêneros canônicos, algo que não fez parte da nossa formação clássica de não nativos digitais? Por fim, um terceiro fantasma, não menos assustador, diz respeito à pertinência de trazer os meios digitais para a escola, em detrimento de conteúdos mais tradicionais. Para que, afinal, queremos isso? Queremos formar youtubers, tiktokers ou ativistas de rede social?
Não temos a pretensão de encerrar a discussão sobre essas questões complexas, mas sim de apontar alguns caminhos para a reflexão. No campo das práticas em meios digitais, sabemos que ser usuário não é suficiente. Os jovens, espontaneamente, fazem certos usos desses meios, mas não dominam todos eles. Aprender a ser estudante usando meios digitais é algo que a escola precisa proporcionar, já que é assim que estudamos no século XXI. Além disso, alguns usos podem ser bastante fluentes, mas ainda assim ingênuos. Podemos consumir muitos canais de youtubers ou muitas postagens em redes sociais, mas refletir pouco sobre eles. Podemos assistir a muitas séries televisivas, mas ter pouca condição de analisar a linguagem verbal e audiovisual de certos produtos culturais. Não queremos, apenas, formar usuários, mas pessoas capazes de circular pelo mundo letrado e exercer com competência as práticas sociais de linguagem no nosso espaço e tempo; pessoas capazes de ler criticamente os diferentes gêneros que circulam socialmente e de participar ativamente desse mundo, de modo indagador e competente.
Estimular o senso crítico dos alunos
Mas se não queremos formar youtubers, jornalistas, publicitários, necessariamente, por que insistimos em propor projetos em que os estudantes participam como produtores de diferentes gêneros textuais e multimodais? Quando nos colocamos no papel de produtores, podemos trabalhar no sentido de desvendar o funcionamento dos gêneros. Quando escrevemos um conto, enfrentamos o desafio de decidir o que o narrador relata e o que esconde e, assim, ficamos mais conscientes para apreciar melhor as construções de narradores em contos. O mesmo se dá com os meios digitais: ao produzir um booktube e refletir sobre a captação da audiência e as palavras que precisam ser escolhidas para um discurso que será ouvido e não lido, ficamos mais hábeis para desvendar a maneira como youtubers constróem seus canais, suas identidades e, assim, podemos navegar com mais criticidade. Além disso, ao produzirem em meios digitais, os estudantes desenvolvem habilidades fundamentais: buscar informações na internet de modo competente, julgar a pertinência e veracidade de fontes de pesquisa, lidar com múltiplas linguagens para construir sentido, entre outras.
Por fim, precisamos pensar sobre a formação dos educadores para lidar com os meios digitais na escola. Nós, professores de Língua Portuguesa, geralmente, temos boas ferramentas para analisar uma obra literária ou uma notícia de jornal. Mas frequentemente temos menos domínio sobre como se constrói o discurso persuasivo em conteúdos pagos nas redes sociais, por exemplo. Temos, portanto, o desafio de construir essas ferramentas da melhor forma possível, inclusive lançando mão de tudo o que conhecemos das antigas práticas e dos “velhos” gêneros, refletindo sobre quais transformações eles sofreram e sobre o que permaneceu.
Escrito por Juliana Giannini e Luiza Moraes – professoras de Língua Portuguesa da Escola da Vila e formadoras do Centro de Formação da Vila
Em julho, com o curso Leitura crítica dos meios de comunicação – Projetos em meios digitais na área de Língua Portuguesa, teremos a oportunidade de avançar nessas questões, refletir sobre os meios digitais e analisar alguns exemplos de projetos e produções de estudantes em sala de aula.