Consciência negra

Consciência negra e discriminação na educação

No mês da consciência negra, um dado divulgado pelo IBGE ganhou as páginas de jornais e sites: pela primeira vez, negros são maioria nas universidades públicas.

É algo a ser celebrado, resultante das ações afirmativas que vêm sendo implantadas desde a década de 90 – particularmente a institucionalização do sistema de cotas nos sistemas públicos universitários e os programas de bolsas e de financiamento estudantil.

Entretanto, é preciso cautela. A mesma publicação do IBGE que traz essas boas novas, também expõe um retrato ainda muito preocupante das desigualdades sociais. O informativo de 12 páginas – Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil – produzido pela Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais do próprio instituto, refere-se ao período 2016-2018 e aborda mercado de trabalho, distribuição de rendimento e condições de moradia, educação, violência e representação política. Antes de nos debruçarmos sobre a desigualdade na educação, vale a pena analisar alguns aspectos mais gerais.

Considerando que 55,8% da população é negra (pretos e pardos – denominações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua), no conjunto, embora haja algumas melhoras, a desigualdade ainda é abismal. Vejamos:

  • 19% da população branca está abaixo das linhas de pobreza. Na população negra, o número mais que dobra – 41,7%;
  • Nos cargos gerenciais, esta proporção se inverte e ainda piora um pouco – 68,6% para os brancos, contra 29,9%;
  • Na Câmara dos Deputados a proporção é de 24,4% de negros para 76,6% de brancos, quando se trata de homicídios, mais uma vez, a população negra está em larga desvantagem – enquanto a taxa de homicídios de homens brancos é de 63,5 para cada 100 mil habitantes, entre homens negros é quase o triplo – 185 para cada 100 mil.

Na educação, alguns indicadores mostram que as políticas públicas voltadas à ampliação do acesso à escola deram resultados mas, aqui, também, o fosso entre brancos e negros pouco diminuiu.

Os analfabetos de mais de 15 anos de idade são 9,1% da população negra e 3,9% da branca.

desigualdades sociais

A taxa ajustada de frequência escolar líquida “que afere a proporção de pessoas que frequentaram ou já concluíram o nível adequado para sua faixa etária” – ou que verifica a chamada distorção idade-série começa praticamente igual no início da escolaridade e, à medida que vai avançando, a desigualdade aparece e se acentua. Ao final, na faixa dos 18 a 24 anos, como se vê, ela é o dobro.

Embora estejamos olhando os dados da educação separadamente, é claro que a situação de desigualdade econômica apresentada no item distribuição de rendimento e condições de moradia, tem influência direta nesses resultados – assim, quando se pergunta aos jovens de 18 a 24 anos porque estão fora da escola são negros 61,8% dos que responderam que é por precisar trabalhar ou procurar trabalho.

desigualdades sociaisTabela extraída do Relatos de pesquisa 41

Analisando outra fonte, o Relatos de pesquisa 41 – perfil do professor da educação básica, parte da coleção Série documental publicada no site do INEP, apenas 29% dos professores brasileiros se declaram negros. Outro dado que chama atenção é número daqueles que não declara cor – 27,4%. Embora venha diminuindo paulatinamente, é, ainda, bastante alto. Faz pensar. Por que será que os professores não declaram sua cor? No censo demográfico geral, o número de não-declarados é próximo de zero!

O que importa aqui é refletir em que medida a identificação dos professores com sua negritude e o fato de uma população de alunos negros ter professores brancos (ou não autodeclarados negros) contribui para que as desigualdades na educação permaneçam. Professores e professoras negros são menos preconceituosos e discriminam menos os alunos e alunas negras do que os professores brancos?

Há pesquisadores, como Alves e Pinto (2011) que afirmam que a menor proporção de professores negros “[…] pode implicar maior dificuldade dos docentes de lidar com situações de preconceito vivenciadas pelos alunos em sala de aula”.

Além das ações afirmativas que garantam o acesso e a permanência de negros nas universidades, é importante que a discussão sobre racismo, preconceito e discriminação faça parte da formação de professores – tanto inicial quanto continuada – e que a valorização da cultura afro-brasileira esteja presente no currículo e nas atividades das escolas não apenas no dia 20 de novembro ou no mês da consciência negra, mas, permanentemente.

De outro modo, será muito difícil – senão impossível – conseguir reverter este quadro ainda tão preocupante.

*Sobre o tema, veja também a palestra de Silvio de Almeida no canal de YouTube do Centro de Formação da Vila.

Escrito por Claudia Aratangy

 

Fontes consultadas:

Informativo Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil
Série documental – relatos de pesquisa – caderno 41 perfil do professor da educação
Nexo jornal
Instituto Unibanco

 

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